A mulher engoliu em seco. Enxugou rapidamente as lágrimas e correu na direção do marido que encontrava-se ajoelhado, aos soluços e berros de um ser que parecia mais um animal ferido do que um homem. Ela sabia que havia estraçalhado muito mais do que seu coração, tinha pisoteado a honra de um homem que sempre prezou pelos valores familiares e a imagem perante a sociedade. A mulher não sabia o que fazer, nem que reação tomar para amenizar toda a situação. Nunca imaginou que o marido pudesse descobrir o caso e amor que sentia há anos pelo próprio enteado.

Carmelita era impossibilitada de sair de casa sem a presença do marido ou da criada de confiança, mas ela não precisou sequer ultrapassar os portões da residência para encontrar o verdadeiro amor de sua vida. Ele chegou como um presente, em circunstâncias estranhas, mas que ela jamais deixaria de usufruir, pois não tinha como comandar seus sentimentos, muito menos o coração. Agora sabia porque o marido andava seco e evitando-a por semanas. Não dera falta do diário, pois escrevia nele apenas uma vez ao mês. Encostou a mão direita no ombro do esposo tentando ativar a atenção deste.

-Querido, eu não...

-Já disse para permanecer calada, sua meretriz!- ordenou o homem levantando-se e empurrando a esposa para longe, que caiu sentada após bater o tronco contra a parede e gemer baixinho.- Como você teve coragem? Sempre fui um bom marido. Te amei, te dei tudo que poderia desejar e quiça mais. Qualquer mulher na face da Terra desejaria estar casada com um homem como eu. Você não passa de uma miserável, um verme maldito que não tem coração. Tu só podes ser o próprio demônio!

-Abílio chega!- berrou Carmelita levantando-se com dificuldade.

-Chega?! Sua maldita! Como ousa falar assim comigo? Sua meretriz imunda! Depois de tudo que fez, como ousa?- repetia as palavras indo na  direção de Carmelita e esbofeteando seu rosto inúmeras vezes.

A mulher tentava se defender cobrindo com as mãos a região da boca e nariz, as mais afetadas pela agressão que o marido lhe proporcionava, mas era inútil, a força dele era inúmeras vezes maior do que a dela. O sangue escorria pelas narinas e boca de Carmelita que sentia o castigo sendo consumido e misturado com o gosto ferroso que afogava a língua. Ela pedia perdão, chorava, implorava para que o marido colocasse um fim na agressão. Foi quando ele se afastou pegando novamente o diário da esposa que havia caído do outro lado do cômodo. Todos os criados da casa haviam acordado com os gritos e alvoroço promovido pelo casal. Eles não tinham filhos juntos. Somente Abílio possuía um casal de herdeiros, consequência de seu primeiro casamento que teve um final trágico após a morte de sua ex mulher.

-Você realmente pensou que nunca iria descobrir esse diário?- perguntou andando em círculos, sem nunca tirar os olhos dela.- Eu sabia que você iria levantar-se uma dessas madrugadas para procurar essa porcaria e delatar toda sua vida libidinosa nessas páginas imundas. Apenas fingi que estava dormindo, até ronquei para provocar-lhe tédio e aguardar que se dirigi-se para esta sala. Não imagina como sei de tudo isso? Ah...deveria pensar melhor á quem você revela seus segredos, querida!- debochou emitindo logo depois uma risada ácida, doentia.

-Não acredito que Maria Eugênia tenha feito isso comigo. Ela sempre foi uma ótima confidente. E além do mais não sei como conseguiu ler o diário, já que as chaves que abrem a escrivaninha ficavam somente comigo, guardadas em um lugar onde ninguém mais tinha acesso.- sussurrou a mulher que encontrava-se repleta de dores.

-Ah, sim! Como não poderia ser, não é mesmo? Essa outra meretriz deve fazer o mesmo que você ou pior. Pois acredite que ela traiu sua confiança por muito pouco. Por apenas algumas joias e duas barrinhas de ouro ela contou-me tudo que sabia sobre você, Santiago, esse caderninho idiota. Ainda revelou a fuga que os dois estavam planejando á mais de um mês.- confessou atirando o diário na cabeça de Carmelita.- Está surpreendida, querida? Pois aprenda que aqueles que mandam na sociedade são o dinheiro e o poder.- cuspiu as palavras com todo rancor que ainda exalava em direção á mulher e continuou.-E se ainda restam dúvidas, saiba que consegui as chaves da escrivaninha através da sua escrava preferida, Lurdes! Era isso ou ela e os dois filhos seriam decapitados e despejados em um buraco sujo em um piscar de olhos. O que você acha que ela preferiu? Salvar a própria carniça imunda ou ser fiel á você eternamente?- questionou o marido que agora tinha um brilho sombrio no olhar.

Fruto Interrompido Where stories live. Discover now