II

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A sensação nostálgica piora a tremedeira em minhas mãos. Meu instinto assassino, depois de seis meses, ao contrário de antes, já não mais é controlável, porém eu me esforço. Eu mantenho fixas as barreiras que impedem minha sede de sangue de se revelar. Minha força de vontade me surpreende a cada dia e a cada vez que me olho no espelho, não me reconheço. O brilho doentio de meus olhos se tornou fosco, porém quase saudável, embora reprimido. Como o de um animal acuado em uma gaiola. Estou acuado em uma gaiola em minha própria mente doentia. Porém controlável. Sinto-me andando em uma corda bamba constantemente, apenas esperando uma brisa leve e fria assoprar do norte e me derrubar. Eu me mantenho firme, todavia, com todas as forças que possuo.

Por ela.

Elizabeth me arruinou.

Enquanto meus olhos se perdem no movimento de vermes pela rua, chego à óbvia conclusão de que a decisão que tomei na noite anterior também sobrecarrega minha consciência. Preferi não considerar a situação até ali, porém dada a proximidade do momento crucial, tudo parece brilhar em neon em minha mente. Como um alarme de incêndio que toca toda vez que eu tento me afastar da ideia. A inquietação aumenta quando me lembro. Ensaio em minha mente caótica o discurso preparado com cuidado mais cedo naquela tarde. Mais uma vez. E outra.

Os carros passam e são apenas um zumbido baixo e incômodo em meus ouvidos. A estranha alegria veraneia das pessoas não consegue se elevar por seis andares e me contaminar. Minha inquietação aumenta consideravelmente enquanto quem procuro entre eles não está ali. Ainda não. Olho no relógio de pulso e percebo que ela está cinco minutos atrasada.

Ela nunca se atrasa.

E mais uma vez aquele aperto comprime meu peito. Por um breve instante, me falta o ar e eu atribuo a falha de meus pulmões ao número obsessivo de cigarros que venho queimando um atrás do outro. A abstinência de violência me obriga a fumar compulsivamente. Encho meu cérebro de fumaça branca para que o vermelho do sangue não me seduza. A terapia forçada vem dando resultados, porém é péssima para a minha saúde. E obviamente não é capaz de controlar a tremedeira, como se eu fosse um maldito viciado em heroína que não tem dinheiro para comprar sua droga favorita. De certa forma, é assim que me sinto. Embora a falta de dinheiro não seja exatamente o problema com o qual tenho que lidar.

Elizabeth me arruinou.

Enquanto aguardo, considero a possibilidade de acender mais um cigarro, porém minha mão não chega à carteira em meu bolso traseiro. Todas as minhas atenções se voltam para a pessoa que vira a esquina.

Finalmente.

Avisto primeiro o elegante sapato de salto vermelho que emoldura seus pés. Ela anda com a graciosidade de um felino à espreita de sua presa. Meus olhos tomam em atenção as curvas torneadas de suas pernas descobertas. Perco poucos segundos observando a saia que mal chega à metade de suas coxas, e me pego em um momento de estranha queimação no peito, algo que as pessoas costumam chamar de ciúmes... A ausência de tecido me incomoda, o modo como sei que os outros homens a olham e desejam me incomoda, e o desejo assassino se apossa de mim.

Não é ciúmes, é possessão.

Ela é minha.

Não estou preparado, contudo, para o decote que encontro descobrindo as voltas redondas e perfeitas que formam seus seios. Cerro os punhos com força e finalmente cedo à tentação de pegar um cigarro. Enquanto sigo para observar seu rosto, o filtro e o isqueiro tremem em minhas mãos, não sou capaz de acender meu próprio cigarro. Estou preparado para amaldiçoar milhões de palavrões distintos quando seus olhos se erguem pelos seis andares em que me escondo e se fixam em minha direção. Duas íris azuis, tão familiares que me causam arrepios toda vez que observo. Porque dói. E mesmo assim, como masoquista que sou, não me privo do prazer de observá-los.

Eu sei que ela sorri porque discretamente abaixa a cabeça. Também discretamente, leva uma mão ao pescoço, em um gesto tão familiar, que um rombo de ácido se forma em meu peito e me leva a dar a primeira tragada desesperada no cigarro que finalmente consigo acender. A fumaça lentamente dopa meu cérebro e, aos poucos, a imagem dos cabelos negros dela esvoaçando com a brisa quente da tarde me acalma.

Quase posso sentir o aroma adocicado de seu perfume chegando até mim...

Ela para na porta do prédio, busca a chave em sua bolsa, e quando adentra o edifício, a ausência de sua visão me leva a um estranho estado de... Pânico. A calma de antes se dissipa e, enquanto aguardo o elevador percorrer os seis andares necessários para trazê-la até mim, trago a maior quantidade de fumaça possível para dentro do organismo.

Os cinco minutos mais longos de minha vida finalmente chegam ao fim, e ouço a chave brincar com o buraco da fechadura. A ansiedade me mata, porque sei que o momento mais crucial de toda a minha infeliz vida está a segundos de se concretizar. Poderia ser um sucesso, pouco provável. Sei que será um fracasso, e que minha vida estará destruída a partir dali, porém também sei que não posso mais conviver com os segredos de meu passado.

Ela não está segura.

Nunca estará segura.

E eu simplesmente não posso conceber a ideia de que sua vida está em constante risco ao meu lado.

Elizabeth me arruinou.

Quando a porta se abre, de imediato sinto a presença dela me aquecer. Meus punhos cerram mais uma vez, jogo o cigarro pela sacada, observo uma última vez os vermes caminhando pela rua, e finalmente permito que meus olhos indignos a vejam.

Sua imagem próxima sempre me tortura.

Como o fantasma que é. O carma que é. A bênção que é.

Elizabeth me arruinou.

Porém, não há melhor momento em meu dia do que aquele em posso finalmente tê-la perto de mim.

Tocá-la.

Beijá-la.

Penetrá-la.

Possuí-la.

Tomá-la como a posse reivindicada a que tenho direito.

Seus saltos se chocam contra o chão de madeira e anunciam que se aproxima de mim. A cada passo, um rombo se forma em meu estômago, e me sinto vacilar.

Um fantasma.

Um carma.

Uma bênção.

Elizabeth me arruinou.

Contudo, a sensação arruinadora se esvai quando seu sorriso brilha para mim, o azul de seus olhos se fixa nos meus e transmite a calmaria necessária para me colocar nos eixos mais uma vez. Seu perfume me baqueia quando ela se encontra, finalmente, a míseros três passos de se perder em meus braços. Eu quero tocá-la, entretanto me obrigo a espera-la vir até mim.

Embora submisso a sua estranha magia, ainda tenho um orgulho a ser preservado.

-Senti sua falta. – ela sussurra com sua voz rouca.

As semelhanças me matam, mais uma vez.

Lembro-me da primeira vez em que ouvi sua voz. Da primeira vez em que a vi. E do tipo de sensação desesperada que arruinou meu coração.

��Xi�.

Dark Knight 2 - RevengeWhere stories live. Discover now