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"Na vingança e no amor a mulher é mais bárbara do que o homem"

Friedrich Nietzsche



O sol se põe no horizonte enquanto observo o filtro do cigarro queimando entre meus dedos trêmulos. Estão assim há algum tempo. Não mais sou capaz de controlar os espasmos involuntários. Eu sei a causa do problema, contudo. Também sei a solução. Mas eu ignoro. É melhor assim.

O cigarro já está no fim. A fumaça sobe e se condensa no ar estranhamente abafado do verão ameno de Plymouth. Meus olhos se fecham enquanto dou a última tragada, buscando se livrar da claridade laranja que os queima. Meus pulmões puxam a fumaça tóxica com força, e eu demoro um tempo até liberá-la de meu organismo. Um aperto estranho comprime meu peito na altura do coração. Como se aquele prazeroso cigarro fosse o último.

Eu não me importo.

Descarto o cigarro e observo o pequeno objeto branco e amarelo percorrer sua queda livre até a calçada abarrotada de gente tentando aproveitar o verão. São seis andares em câmera lenta. Uma parte de mim espera acertar algum dos vermes que transitam lá embaixo, porém eu erro. Com um suspiro irônico e resignado, ponho-me a observar a rotina monótona da avenida mais movimentada de Plymouth. Eu odeio essa cidade nojenta e quente. Odeio mais o fato de ter sido obrigado a me mudar para cá. Contudo, o único culpado sou eu e meu absurdo descomprometimento com minha própria causa, e isso não me consola. Pelo contrário.

Elizabeth me arruinou.

De todas as formas possíveis que uma mulher pode arruinar um homem.

Fui descuidado. Não tomei as precauções necessárias. Quando seu corpo foi descoberto no andar de cima daquela mansão, uma empregada me apontou como a última pessoa com quem ela havia sido vista ainda em vida. A Scotland Yard me procurou. Embora não houvesse provas concretas em favor de minha incriminação, eles não me deixaram em paz, vasculharam meu apartamento, me interrogaram e tentaram penetrar em minha mente. Então eu sumi do mapa, comprando esse apartamento apertado, me enfiando em Plymouth. Até que esquecessem do caso. Ou de mim. Até que pudesse encontrar uma maneira de incriminar outra pessoa. O velho McGrady, de preferência. A tarefa, contudo, demandaria muito de meu tempo, e eu tinha o mesmo tipo de concentração que se espera de um chimpanzé. Eu estava perdido, desnorteado, tomado por uma estranha ira, um tipo de sensação homicida dirigida a mim mesmo.

Elizabeth me arruinou.

Não procurei outras vítimas pelos três meses seguintes. A sensação extasiante da caça, a minha favorita de todas, já não mais me atraía. O vinho não tinha mais o mesmo gosto. A brisa gelada de Londres já não mais acalmava minha pele. Ademais, a polícia me acompanhava de perto, mantendo os olhos e ouvidos atentos a cada vez que colocava meu nariz para fora de casa. Não era seguro. Os espasmos e tremedeiras começaram. Era a abstinência me atingindo em cheio. E eu esperei que ela viesse e me dominasse. Não lutei contra. A vontade de matar foi sendo absorvida por um torpor estranho e eu me vi sem um sentido para a vida. Enfiado na merda da cidade de Plymouth.

Foi quando ela apareceu.

Um fantasma, uma assombração, um carma, uma bênção.

E tudo voltou a fazer sentido novamente. Porque a sensação que tive foi a de ter voltado no tempo e consertado meus erros. Como se minha mãe não tivesse arruinado a vida de meu pai. Como se meu ódio inexplicável e aquela sede de carnificina não fizessem qualquer sentido plausível. Eu havia ganhado uma nova chance. E estava grato por isso.

Elizabeth me arruinou.

Dark Knight 2 - RevengeWhere stories live. Discover now