Prólogo

8K 653 53
                                    


Curvas sinuosas. Subidas e descidas. Sinto-me como se estivesse em uma montanha russa o tempo inteiro. Eu não estou exatamente reclamando, entenda. Na verdade, elas não incomodam. Estão apenas me fazendo sentir mais sono devido aos sacolejos do carro.

O sol está forte lá fora, tão propício para um banho de mar. Isso é justamente o que pretendo fazer assim que meus pés tocarem a areia quente de Paraty. Tomar um delicioso banho de mar.

Olho para o meu lado. Meu irmão de nove anos está jogando seu videogame portátil, na parte de trás do carro. Ele está completamente alheio ao mundo lá fora, mas eu o observo enquanto Pais e Filhos de Legião Urbana toca a todo o vapor através dos meus fones de ouvido. Apesar dos oito anos que separam nossas idades, eu amo Guilherme demais como o bebê mimado da família que ele é.

Se tem uma coisa que aprendi na vida foi a dar valor à família. Meus pais e ele são as pessoas mais importantes deste mundo.

– Falta muito para chegar, pai? – Pergunto, já começando a perceber pessoas transitando com roupas de praia, casas e centros comerciais se aproximando como se abrissem caminho para o paraíso.

Meu pai olha para trás rapidamente e me oferece um sorriso afirmativo.

– Se não fosse pela teimosia da sua mãe, já estaríamos lá. Eu disse que deveríamos pegar o helicóptero e chegar num picar de olhos, mas ela é tão insistente...

Minha mãe lhe dá um tapa no braço, fazendo biquinho.

– Você sabe que não gosto muito de voar, Alberto. Além do mais, qual é a graça do passeio senão sentir o ar puro, admirar o espetáculo da natureza que se estende no caminho?

Os olhos enrugados de dona Georgina brilham quando ela encara o meu pai, cheios de ternura. Ele sorri para ela enquanto sacode a cabeça sem acreditar que se deixou convencer mais uma vez.

– Eu consigo negar a um pedido da mulher que amo? Quando ela me olha desse jeito, nem em mil anos. Eu espero que um dia você e seu irmão encontrem um amor tão verdadeiro como o nosso, Paula. Não há nada mais valioso na vida.

– Ah, pai, que conversa! Eu ainda sou jovem demais para pensar nisso. Só quero começar a faculdade e me tornar uma grande advogada assim como você. Até lá, nada de amor. Apenas diversão.

– Você é tão inexperiente, filha. Se soubesse como a vida prega peças. O amor não avisa quando vai chegar. Você simplesmente é tomada por ele sem estar esperando. Quando vê, seus pensamentos e o pulsar de seu coração já não mais lhe pertencem.

– Nossa, que piegas. Vocês veem tudo com romantismo. Eu definitivamente não sei a quem puxei. Será que sou a única com uma veia racional nesta família?

Eles riem um para o outro como se eu tivesse acabado de falar alguma asneira. No mundo florido dos meus pais, eu vou encontrar um bom rapaz, ele será meu único namorado e, quando eu terminar a faculdade, ficaremos noivos e nos casaremos.

No meu mundo espinhoso, eu quero estudar e me divertir muito sem ter que me preocupar com os sinos da igreja tocando em meu ouvido. Eu sou uma garota de dezessete anos, oras. Não é justo que eu pense assim?

Encosto-me no banco do carro e olho para o lado de fora da janela. Uma via imensa se abre diante de nós, com carros atravessando uns aos outros como se estivessem em uma pista de fórmula um. Eu já estou acostumada com isso, afinal moro em São Paulo, a cidade que nunca dorme.

– Paulinha, eu te amo tanto, mesmo com esse jeito rabugento seu. Só eu e seu pai para aguentar esse seu gênio difícil. Nós e Amanda, que é um anjo de menina. Já faz algum tempo que vocês não se veem, não é mesmo? Ela vai ficar feliz com esse reencontro.

Amanda se mudou de São Paulo há três anos. Ela é uma grande amiga de infância e era minha vizinha mais próxima. Eu a vejo pelo menos de ano em ano quando ela vai para Sampa ou eu venho ao Rio. Conversamos bastante por telefone. Apesar da pouca idade, já pensa em noivado e todo aquele romantismo que faz as máquinas do mundo girarem. Definitivamente, os opostos se atraem.

– Sim, mãe. Os pais de Mandi vão deixá-la conosco durante esses dias. Ela disse que está cheia de novidades. Todas têm relação com aquele namorado dela, com certeza.

Ei, não pense que abomino os homens ou jogo no time oposto. Muito pelo contrário. Eu já tive namoricos que cheguei até a apostar algumas fichas de que poderiam durar, mas acabo me cansando deles muito rápido. Principalmente quando vejo os olhos da minha mãe brilharem.

Ploft! É como se o encanto acabasse.

– Amanda é uma garota de ouro. Tenho certeza de que em breve, estaremos recebendo um convite de casamento.

Ainda esse assunto? Parece que estamos andando em círculos.

A conversa é descontraída enquanto meu pai dirige o quatro por quatro da família. Ele tem alguns carros, mas diz que este é mais seguro para viajarmos.

Fecho os olhos e me recosto no banco para me envolver com a música Vento no Litoral, a que mais amo de Legião. Meus pensamentos são conduzidos pela letra da música que diz exatamente o meu desejo naquele momento. Quero chegar até a praia e sentir o vento forte no meu rosto.

Em algum momento, minha mãe diz algo que ele acha engraçado, pois solta uma gargalhada estrondosa. Eu amo vê-los juntos, perceber o quanto se dão bem e são verdadeiros um com o outro. Me pergunto se eu poderia ter esse tipo de relação um dia. É, quem sabe eu descubra depois de muito, muito tempo?

Uma sacudida forte no carro me tira do transe e me obriga a abrir os olhos para ver o que está acontecendo. Não! Eu quero fechar meus olhos novamente e fingir que isso não está acontecendo conosco.

As cenas que se passam a seguir vão me assombrar pelo resto da vida. Nunca, jamais serão apagadas da minha mente. Sinto minha vida se esvair de um momento para o outro como um passe de mágicas.

Meu único instinto natural é de me jogar sobre Gui, tentando protegê-lo. O cinto de segurança restringe meus movimentos. Em fração de segundos, um caminhão enorme atravessa a via e vem em nossa direção, atingindo o carro em cheio de frente.

Um último fio de consciência permite que eu escute barulhos que oscilam entre a batida violenta do veículo e os gritos de minha mãe. Os gritos ecoam na minha mente fortes, poderosos de uma forma que será impossível esquecer algum dia.

Depois disso, tudo se torna apenas escuridão.

Eros: Quando a paixão entra em campo (lançamento disponível na Amazon)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora