𝐶𝑎𝑝𝑖́𝑡𝑢𝑙𝑜 𝑈𝑚 | 𝑃𝐸𝑆𝐴𝐷𝐸𝐿𝑂

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— Susane Clinton, pare com essa bobagem

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Susane Clinton, pare com essa bobagem. — Resmungo. A voz abafada contra o travesseiro — Foi só um pesadelo.

Em geral, não me deixo afetar por pesadelos, mas este em específico se repete continuamente desde a infância. Vívido e sensorial. Tão real, quanto o cheiro adocicado de maçã do amor em meu travesseiro.

Com um inspirar fundo, fecho os olhos e espero voltar ao sono, mas o tic-tac me mantém acordada. É como se o relógio estivesse dentro de minha cabeça, disposto a ressaltar a batida ritmada de cada segundo após meu último aniversário. Os pesadelos retornaram com mais intensidade naquela semana, logo após assoprar as velas em formato de número vinte. Entretanto, aniversários não são nenhuma premonição do mal. A menos que "premonição do mal" seja sinônimo de ficar mais velha.

"Você sabe que não é só coincidência".

O calafrio atravessa o corpo ao escutar a familiar voz sussurrar em minha cabeça. Tenho quase certeza de ser minha consciência, mas nunca ousei perguntar a alguém. Ao menos não depois do horror do filme Carrie, a estranha aos oito anos.

Franzo o cenho com os olhos fixos ao edredom floral. Minha consciência poderia ao menos ter uma voz feminina ao invés destes sussurrares masculinos. É como ter alguém do disk sexo ligado vinte e quatro horas em sua cabeça.

O riso abafado me traz a realidade. Os olhos se desviam automaticamente para a origem do som, a cama ao lado. Os cachos ruivos de Emily se movem junto dos ombros, conforme a risada de minha meia-irmã de cinco anos é abafada pelo travesseiro. Entretanto, basta me levantar para todos os seus movimentos cessarem. As molas do colchão fino de sua cama de solteiro rangem sobre meu peso ao me sentar ao lado de seu corpo fingidamente adormecido.

— Sei que está acordada, pestinha.

— Não estou! — Grita em resposta.

Shhh. Quer acordar nosso pai?

— Já acordei. — Murmura a conhecida e sonolenta voz masculina, vinda da porta entreaberta do quarto.

O rosto de John é emoldurado por cachos ruivos, idênticos aos de Emi, como redemoinhos de fogo em contraste a pele clara salpicada por sardas. Em contrapartida, meus fios, apesar de encaracolados, são negros como uma noite sem estrelas, provavelmente herança genética de minha mãe. Provável, porque nunca vi foto alguma dela.

Meu pai costuma contar o quanto ela odiava fotografias com a mesma intensidade na qual ressalta como minhas feições são idênticas as dela. Contudo, seu olhar triste e longínquo me faz questionar se isto realmente é algo bom.

— Café da manhã? — Os olhos escuros me encaram em dúvida diante da oferta, considerando meus péssimos resultados culinários anteriores — Isso quer dizer café e o que sobrou do bolo de ontem.

Doze Badaladas | DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now