2. Escuro

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   Apôs uma hora tentando encontrar a tal festa, Tyler entra em uma estrada estreita, quase me atrevo a perguntar se ele sabe onde está indo. O carro é engolido pela escuridão da noite, a única luz que existe aqui é a dos faróis.

Ouço os cascalhos se quebrando nos pneus, estamos em uma espécie de estrada de terra. Olho para Steven e o vejo forçando uma expressão tranquila, assim como eu.
  Tyler trava o seu maxilar e suspira fundo. Suas sobrancelhas estão juntas demonstrando raiva.

  A estrada é consumida por uma neblina forte. Assustadora, mas também, de alguma forma, linda. Um calafrio sobe pela minha espinha junto com uma sensação estranha. Em meus ouvidos consigo ouvir meus batimentos cardíacos, cada vez mais rápidos. Confesso que estou com medo.

  — Que porra! — Esbraveja Tyler, e eu quase dou um pulo de susto. Mas meus óculos caem de baixo do banco do dele. Ótimo. — Não consigo ver nada!

  Tudo está embaçado e escuro, então não adiantar nada olhar lá em baixo. Enfio meu braço esquerdo de baixo do banco e tento desesperadamente encontrar meus óculos, mas, depois de alguns minutos, finalmente os acho.

  Tento olhar entre aquela fumaça densa mas é como se estivéssemos em um universo branco e úmido. Coloco meus óculos, e a poucos metros de nós vejo uma forma escura se mexendo, parece um... cervo.

— TYLER! — Eu grito tentando alerta-lo.

  Suas mãos seguram o volante com força, os nós de seus dedos estão brancos. Ele vira o volante bruscamente e meu coração congela. Então tudo fica em câmera lenta. Consigo ver o vidro do carro se estilhaçando em milhões de pedaços, consigo ver a cabeça de Steven batendo fortemente contra o painel do carro, consigo ver nosso sangue, consigo ouvir nossa dor.

  O carro está girando, fazendo com que nós nos machuquemos cada vez mais. Aos poucos a escuridão cega meus olhos e não consigo enxergar nada, tudo fica preto e silencioso.

~🍷~

Está chovendo. Eu sinto a chuva molhar meu corpo fazendo as minhas roupas ficarem pesadas. No solo a grama é úmida e macia, se tornando o meu único conforto.

  Abro meus olhos e está a noite. Mesmo vendo uma imagem distorcida eu consigo ver árvores. Levanto meus braços na esperança de tirar essa armadura inútil com um vidro quebrado do meu rosto, mas sinto uma dor aguda nos ossos. Não consigo me mexer.

  Viro lentamente minha cabeça para a direita e a dor se intensifica deslisando lentamente pelos meus músculos. Droga! Nunca senti dor pior no mundo. Eu quero levantar e sair correndo para procurar ajuda, mas a dor é tanta que não tenho o que fazer. Sei que logo a neve irá voltar, acho que morrei de hipotermia.

Agora, eu só posso aceitar, vou morrer, sozinha, apodrecer aqui. Talvez nunca achem meu corpo. Sinto uma estranha vontade de abraçar, de receber carinho e de que alguém me diga que irá ficar tudo bem. Mas não tenho nada. Nada além das roupas do corpo.

A escuridão está novamente me sugando, não vou resistir a ela, vou apenas relaxar e deixar que ela me leve. De repente, a escuridão literalmente me abraça, seus braços gélidos ficam ao meu redor.Sinto algum líquido descendo pela minha garganta, não sei se é água, mas é morno e metálico.

  Não tenho forças para lutar para não beber desse líquido, então apenas o engulo.

~🍷~

         
  Eu puxo ar para os meus pulmões como se estivesse acabado de sair do fundo de uma piscina. Não sei onde estou, mas parece uma espécie de quarto revestido em madeira.

  Olho para cada canto do quarto e vejo tudo com nitidez, com todos os detalhes. Vejo até os fios de algodão que formam o tapete. Mas espera... Eu não estou de óculos, como estou vendo tão bem?

  Ouço passos vindo do andar de baixo, junto com um cheiro leve de hortelã. Levanto da cama o mais rápido que consigo e chego no outro canto do quarto em segundos, mais rápido que qualquer animal existente, mais rápido que uma mosca.

  A porta se abre e eu grito. Não sei porque, mas solto toda a minha voz pela minha garganta. Um homem com cabelos castanhos escuros e um par de olhos negros — do preto mais escuro e mais lindo que eu já vi na vida —fecha a porta atrás de si.

— Desculpe-me senhorita, eu não quis acorda-lá. Posso voltar outra ho...

— VOLTA AQUI AGORA! — Seus olhos se arregalam. — Que merda eu estou fazendo aqui?! — Ele ainda está congelado, sem expressão alguma. — RESPONDE AGORA!

— C-calma, vai ficar tudo bem, você tem que se acalmar.

— Você é calmo demais para o meu gosto. — Eu falo enquanto ponho minhas duas mãos na minha cabeça, e só agora noto que estou usando um vestido branco acinturado. Como ele entrou em mim? — VOCÊ ME VIU PELADA?

Seus lábios se contorcem impedindo um sorriso. Sinto vontade de voar em seu rosto e bater nele até deformar sua pele lisa, a sensação de que eu posso fazer isso vem à tona.

— Eu quero água — Quando eu falo minha voz falha , minha garganta está seca demais.

— Não é de água que você precisa, Luna.

— Do que me chamou? — Pensado bem, eu não me importo. — Deixa pra lá. Onde fica o banheiro?

— No final do corredor.

Olho para ele e lanço o meu melhor olhar severo, tentando intimida-lo. Saio lentamente do quarto e me deparo com um corredor longo cheio de quadros, dos mais variados possíveis. Des de paisagens a autorretratos.

Quando finalmente chego ao banheiro me surpreendo. Não por ser muito diferente do normal, mas sim por ser um banheiro como outro qualquer. Achei que também seria de madeira.

Aquela sede incontrolável volta novamente, queimando minha garganta como ácido sulfúrico. Abro a torneira e tento engolir o máximo de água que eu consigo, mas minha garganta ainda continua seca. De repente toda a água que eu bebi sobe pela minha garganta. Abro o vaso sanitário e vomito tudo, até meu estômago estar finalmente vazio.

Me olho no espelho e pareço estranhamente bem, mesmo que eu tenha acabo de vomitar. Não há nenhum machucado grave, apenas algumas pequenas marcas no meu pescoço e braços. Que estranho, eu, Tyler e Steven sofremos um acidente de carro, eu devia ter pelo menos uma costela quebrada. STEVEN E TYLER! Onde será que os dois estão? Merda!

  Abro a porta do banheiro e corro usando minha estranha super velocidade. Não sei como ela funciona, mas fico feliz que consegui usá-la agora. Dou uma volta rápida pela casa até encontrar uma rústica é enorme porta dupla.

  Sem hesitar, eu a abro e uma onde de calor me envolve fazendo minha pele arder. Como quando fogo encontra a gasolina, minha pele se transforma em chamas, me sinto fraca, impotente, sinto a morte chegar.

ImmortalWhere stories live. Discover now