Precisamos falar sobre o verão - I

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Verão
(substantivo masculino)
1. estação mais quente do ano, situada entre a primavera e o outono [No hemisfério sul, inicia-se quando o Sol atinge o solstício de dezembro (21) e termina quando ele atinge o equinócio de março (20); no hemisfério norte, inicia-se no solstício de junho (21) e finda no equinócio de setembro (21).].
2. estação da seca.
3. PRÍNCIPE ( Pyrocephalus rubinus ).

Estereótipo inabalável: sol forte, praia, calor, mar e afins — além de uma pequena emenda com o carnaval, que inclui música alta, gente bêbada e etc.

O que quero declarar, com dezessete verões completos ano passado, é que não nutro nenhum tipo de ódio pela estação, sem sequer estar sendo irônico.
Não é pelo meu aniversário no começo dela.
Também não é pelo fato de que eu tenho vergonha de ir à praia — e vou mesmo assim porque amo o mar; vamos dizer que, pálido desse jeito, em cinco minutos exposto no sol sem proteção as crianças brincando na areia já começam a me chamar de "Tio Camarão". Sem brincadeira.
É tampouco pelo sorvete em abundância, mesmo que seja uma das minhas coisas prediletas que fazem parte do estereótipo.
Minha parte preferida desse verão foi o dia 31 de Janeiro.

***

— André, querido, deixa que eu passe mais filtro solar no seu rosto — diz minha mãe, já se aproximando com a mão direita cheia de protetor solar à prova d'água.

— Mãe! — reclamo, recuando alguns passos — Daqui a pouco nem vou sentir minha pele, de tantas camadas de protetor que você passa em mim — ela ri, passando mais um pouco sobre meu nariz — Ele tá se acumulando aqui faz dezessete anos, não precisa se preocupar.

— Mas eu me preocupo — Dona Magda enfia sorrateiramente o frasco pequeno no bolso da minha bermuda, para se afastar em seguida e começar a recolher sua sacola de praia — Não fique muito tempo mais por aqui, tá bem? Seu pai e eu vamos estar em casa — finaliza, estalando um beijo em minha bochecha e sumindo entre os guarda sóis coloridos espalhados pela areia.

Vitor é meu melhor amigo, e, ao contrário de mim, tem um bronzeado permanente e dourado gravado em sua pele carioca, apesar de fugir do sol quase mais do que eu. O que torna a pessoa com bermuda azul royal e uma faixa branca de protetor solar no nariz fino, sombreado pela franja bagunçada, altamente reconhecível.

— Dedéé — ele grita, acenando com entusiasmo uma toalha de praia, e procuro disfarçar o máximo possível enquanto vou até ele, sob um guarda sol à beira mar.

— Ridículo — agarro a toalha de suas mãos, o perseguindo em volta do guarda sol — Você chamou a atenção de todos os seres vivos num raio de três quilômetros!

— Eu sei. Na verdade, eu preferia chamar a atenção de outra pessoa que não fosse esse cara loiro desengonçado que está na minha frente — replica Vitor, rindo — Agora há pouco Beca e Pâmela passaram por mim, mas aquela amiguinha da sua irmã só queria saber do Dedé — fala, tentando imitar o rebolado forçado de Pâmela.

— Não podemos correr o risco de elas continuarem por aqui — digo, olhando rápido para os lados, na esperança de não ver nada que lembre os cabelos azuis e chamativos de minha irmã mais nova na multidão — Tô morrendo de fome, você não? Vamos comer alguma coisa no Abdul.

Abdul, um árabe muito bem ambientado no Brasil, tem o melhor quiosque da praia, sobre uma rocha baixa e achatada; ele tem as melhores esfihas, tabules e quibes que já provei.
Achamos seu quiosque isolado e alternativo aos nove anos — eu e Vitor tentávamos devolver um pequeno peixe ao córrego que desembocava no mar, quando conhecemos Meca (Ahmed, na verdade), filho de Abdul. Meca tirou rapidamente o peixe de minhas mãos, o depositando em uma cesta cheia com vários, pendurada em suas costas estreitas, e nos levou a um "lugar secreto" para tentar compensar o roubo e nossas expressões carregadas de raiva infantil; o quiosque de Abdul, escondido entre os coqueiros e a mata nativa.
Desde então, o caminho entremeado nas rochas ficou mais fácil a cada verão, até podermos fazê-lo de olhos fechados.

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