Os Escolhidos - Fumaça Vermelha | Degustação

Capítulo 2

    Fomos para a sala e nos sentamos no sofá, eu com meu café nos lábios e vovó com a sua história.

— Conheci o Aarion quando eu tinha 23 anos. Esbarrei com ele na rua e desde o primeiro momento eu sabia que ele era especial. Logo me convidou para sair com ele. De início ele não me contou nada, mas depois de um tempo comecei a achar estranho. Acabei descobrindo que ele não tinha uma casa aqui; ele desaparecia por dias. Então dei um ultimato: ele tinha que me contar o que estava acontecendo. Depois de pensar muito, ele cedeu e me contou tudo. Não aceitei bem de principio, mas rapidamente compreendi.

"Ele ficava aqui por alguns dias seguidos, mas sempre tinha que voltar. O povo dele deixava o portal aberto, mas ninguém podia ficar aqui por muito tempo. A nossa terra era como um lugar de férias para eles, sempre vinham aqui."

"Contou que quando me conheceu, tinha perdido a mãe há pouco tempo. Disse que eu o tinha curado daquela dor que não cessava, e que se fosse por ele, ficaria aqui e começaríamos uma família juntos. Até o dia que ele realmente fez isso, dizendo que não se importava com as consequências. Ele voltou a Pacem."

"Semanas se passaram e eu já pensava o pior. Aarion tinha saído daqui dizendo que informaria ao Conselho que não voltaria à Pacem, que ficaria aqui comigo. Dias depois ele voltou, com um olhar diferente no rosto. Uma tristeza. O Conselho recusara o seu pedido de morar aqui, e muito menos com uma humana. Passou semanas tentando convencê-los, mas sem sucesso. Um dia, acordou decidido de que não aceitaria que outros dessem a palavra final quando se tratava de sua felicidade e que iria fugir."

"Saiu de casa sem levar nada, apenas a coragem para abandonar o reino. Assim que chegou ao portal, um membro do Conselho o esperava lá. Informou que voltar para a nossa terra seria traição, e caso decidisse seguir em frente, nunca mais poderia voltar."

"Com angústia de deixar seu povo, mas feliz em começar uma nova vida, ele voltou para mim. Só quando retornou me disse que era esperado que ele tomasse o lugar do pai, o homem que o esperava no portal, no Conselho. Eu disse que não poderia deixar que ele abandonasse seu povo, seu mundo, e ele só me disse: 'Você é o meu mundo agora.'"

"Um mês depois estávamos casados. Ele arrumou um emprego, e conseguimos essa casa. Um ano depois eu estava grávida do seu pai, Ethan, seu avô tinha feito um amigo, Joe, e aberto uma lanchonete com ele." — vovó sorriu.

— E o que aconteceu com o vovô?

— Quando Ethan tinha 18 anos, recebemos uma visita inesperada. Emir, pai do Aarion, bateu na nossa porta. Disse que queria conhecer a nossa família, o neto, e que tinha cometido um erro ao banir o filho aqui. Seu avô logo o perdoou e ficou incrivelmente feliz, é claro. Passou-se uma semana, e Emir teve que voltar.

"Dias depois um mensageiro chegou para o Aarion dizendo que o pai dele estava muito doente, que ele deveria voltar à Pacem para se despedir. Eu disse que fosse. Era o pai dele, no final das contas."

"Aarion quis levar o Ethan para se despedir do avô e pelo menos conhecer Pacem. Passei horas tentando convencê-lo do contrário, mas no final cedi. Com enorme aflição, mas cedi. Eles saíram naquela noite mesmo."

"Ainda lembro do sentimento de terror quando depois de uma semana eles não voltaram. A cada dia eu tinha mais certeza que não os veria novamente. Eu não saia de casa, sempre de olho na porta, esperando. Eu me culpava por tê-lo encorajado a ir, por tê-lo deixado levar meu filho e por ter deixado aquele homem entrar na minha casa e nos manipular, já que eu tinha certeza que a ausência de meu marido e filho era de algum jeito culpa dele."