prologue

7.7K 336 502
                                    

1. Os Jaureguis

É um pouco assustador como algumas famílias conseguem refletir exatamente a imagem de comercial de margarina, e é um pouco assustador como essas mesmas famílias escondem atrás das aparências uma estrutura fraca e repleta de rachaduras. Assim eram os Jaureguis, por fora um modelo a ser seguido, por dentro, um verdadeiro caos.

Em uma ponta da mesa, Michael, o pai dedicado. Mike trabalhava incansavelmente para que não nos faltasse nada. Ele era um homem honesto, que sacrificava metade da sua vida para proporcionar conforto à sua mulher e seus filhos. O único defeito de Michael era que ele nunca estava presente — exceto nos jantares de família, que ocorriam todas as sextas-feiras.

Na outra ponta da mesa, Clara, a mãe amorosa. Clara, ao contrário do marido, fazia questão de dedicar as vinte quatro horas do seu dia às suas crianças. Clara era observadora, controladora e conservadora. A boa reputação dos Jaureguis era resultado do seu árduo esforço para manter tudo em ordem — assim como a sociedade ditava.

Na lateral direita da mesa, Christopher, o irmão mais velho e responsável. Sinônimo de orgulho. Chris tinha tantas medalhas quanto uma prostituta tem amantes. Ele era uma versão masculina da mãe. Talvez perfeccionismo fosse a palavra que o definia.

Ao seu lado, Taylor, a irmã mais nova e inocente. Tay era o mascote dos Jaureguis. Ela era apenas uma criança de dez anos que não dava problemas a ninguém. Sempre poupada de ouvir as verdades sujas e alheia ao que acontecia dia-a-dia diante dos seus olhos. De certa forma, Taylor era sortuda por isso.

Do lado esquerdo da mesa, eu, Lauren, a filha do meio. Criada para ser perfeita — eu não tinha outra opção, eu precisava ser a melhor. A minha única obrigação era ser impecável.

Surpreenderia dizer que o jantar de família dos Jaureguis era um pouco assustador?

"A carta de aceitação de Harvard já chegou?" Papai cortou o silêncio, encarando Chris.

"Ainda não, mas Yale e Princeton já entraram em contato e me querem lá," o garoto respondeu confiante. Por dentro ele tremia, eu sabia.

Mamãe bebeu uma golada do seu vinho, "Certamente receberemos notícias de Harvard nas próximas semanas. Recém entrou a primavera." Tentou amenizar.

Christopher estava no seu último ano do ensino médio, ele tinha as melhores notas e muitos pontos por atividades extracurriculares, além de todo aquele ouro em forma de medalhas e troféus. O meu irmão era um grande gênio das ciências e aguardava o resultado da sua aplicação em Harvard, para cursar medicina.

Ainda me restavam algumas semanas antes de passar a ser o foco dos jantares de sexta-feira. Eu realmente adoraria cursar artes em alguma universidade longe de Miami, eu praticava piano junto a minha amiga Dinah já fazia alguns anos, dançava ballet com minha outra amiga, Normani, desde a infância e cultivava o prazer de desenhar e pintar telas no meu tempo livre e vazio. Mas, segundo Clara, isso eram apenas hobbies para que eu fosse mais suave e delicada. Ser artista não era profissão. Eu já desistira de enfrentá-los antes mesmo de começar.

Taytay, ainda que fosse uma criança, já tinha diversos prêmios em jogos de baseball, tênis e softball. Papai sempre tentava acompanhá-la. No final, eu era a única azarada o suficiente para nascer com o dom de fazer hobbies.

Às vezes eu acho que pais não deveriam ter o seus filhos preferidos. Mas Chris era o favorito de Clara, e Taylor a de Mike. Eu costumava ser a preferida dos meus avós, se isso serve de consolo, mas eles morreram há três anos.

"Lauren!" Taylor estalou os dedos, capturando a minha atenção. "Mamãe está falando com você."

Eu chacoalhei a cabeça, saindo de dentro dos meus devaneios, "Desculpe. O que a senhora dizia?"

PHANTOMWISEDonde viven las historias. Descúbrelo ahora