CAPÍTULO UM

83 10 3
                                    


ÁGATA

ÁGATA ESTAVA NOVAMENTE NAQUELA CASA.

Estava escuro, as janelas abertas de cortinas brancas e esvoaçantes deixavam entrar o frio do inverno. Os acontecimentos daquele sonho não foram como realmente aconteceu. Na época, a garota tinha menos idade e estava dormindo quando "Eles" chegaram. Agora, no sonho, ela mantinha seus dezessete anos e usava roupa de couro maleável preto.

Ágata olhou ao redor, aguardando-os. Sabia que logo apareceriam.

Repentinamente eles estavam lá, embora não surgissem do nada como o sonho sugeria. Ela prendeu os cabelos negros e volumosos em um alto rabo-de-cavalo. Já vivera aquela cena milhões de vezes em outros pesadelos, e como sempre deixou adagas de lâmina longa escorregarem pelas mangas de sua blusa até as mãos, segurou firmemente os cabos e gesticulou para as sombras avançarem.

Elas eram figuras semi-humanas, com roupas esfarrapadas e cara de zumbis góticos. Urrando, eles saltaram e rastejaram de maneira bizarra em direção à garota. Ela saltou e se agachou, esquivando dos braços e pernas que se esticaram contra ela numa textura que a lembrava areia molhada.

Ela cortou diversas vezes os seis monstros, mas nada surtiu efeito. Aos poucos se cansava, seus movimentos começavam a ficar lentos e as adagas mais pesadas. Seus oponentes, ao contrário, só pareciam ficar mais fortes e mais rápidos, atingindo-a com vários de seus ataques. Ferida, ela morreria se continuasse assim. E foi então que ela começou a queimar.

Literalmente começou a queimar. O fogo começou em seus pulsos e desceu por sua roupa até que tocasse o chão e pouco a pouco, toda a casa era engolida pelas labaredas, e com ela aqueles monstros. As chamas não faziam mal a sua pele ou a suas roupas, mas ela sentiu repulsa por elas; tentou afastá-las com suas mãos, mas a cada segundo o fogo só se intensificava. Lembrou-se de seus pais, dormindo no quarto no andar de cima, mas sabia que já era tarde demais. Quando ela subiu as escadas eles já estavam carbonizados. Ela permaneceu em meio ao fogo, não queria sair daquela casa. Sentia-se mal pelo que havia feito... Matara seus pais, sua única família confiável. Perdera tudo.

E quando a casa desmanchou sobre ela, Ágata acordou na vida real com a droga do despertador tocando, marcando a hora de levantar pra escola.

Ela resmungou e virou-se, mas cinco minutos depois o objeto voltou a gritar e por fim, ela levantou mal-humorada.

Já era tarde, então não teve tempo de tomar banho. Ela vestiu-se e tentou arrumar "a meleca preta que insisto em chamar de cabelo", como costumava pensar, e depois lavou o rosto. Quando abriu a janela o sol tocou em sua face esquentando a pele muito branca e dando um toque rosado a ela enquanto seus olhos brilhavam num castanho bastante claro – destaque daquele cabelo escuro demais.

A garota saiu do quarto, cruzou o corredor da casa e na cozinha encontrou Edson sentado próximo a mesa. Ele estava com o jornal em frente ao rosto, mas o abaixou para encarar Ágata.

– Bom dia, Monstrinha.

– Bom dia, Edson. – retirou a mochila das costas e a colocou no chão. Ela começou a mordiscar um pão enquanto preparava um café com leite. – Não me chame mais assim, não sou mais criança.

– Vai ser para sempre, Monstrinha.

Edson era um homem magro com cerca de um metro e oitenta, com cabelos de um tom acinzentados volumosos e despenteados, usava um par de óculos para ler e tinha um cavanhaque raspado. Era padrinho de Ágata, e um amigo de longa data de seus pais. Ele acabou assumindo a responsabilidade pela garota quando seus amigos faleceram onze anos antes.

A Maldição de BaltazarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora