PRÓLOGO

115 10 0
                                    


          O porão era escuro, o cheiro de mofo e gasolina tomava conta do ambiente. O ar, pesado, por conta da poeira que cobria cada centímetro daquele lugar. Havia móveis velhos espalhados, a maioria em pedaços. Os cacos de vidro depositavam-se por boa parte do chão, assim como recortes de papel e caixas de papelão, vítimas das traças. Uma mesa grande e larga ocupava um dos cantos, os pequenos buracos e o pó marrom denunciavam a presença de cupins. Embaixo dela, acumulavam-se partes de ferramentas quebradas ou peças de veículos. Aquele lugar provavelmente teria sido uma garagem ou oficina, antes de ser deixado para morrer.

          Tecidas pelas mais diversas espécies de aranhas, as teias infestadas de insetos cobriam as paredes pichadas. Baratas rastejavam pelo chão, completando o cenário de total abandono. Mas não o seria mais por muito tempo.

          Ao fundo, na última sala, ouviam-se gritos aterrorizados. Duas vozes se misturavam em uma discussão que não dava indícios de que acabaria bem. Suspenso pelos braços, um homem sangrava. Na sua frente, uma mulher pedia respostas. Ambos não queriam estar ali.

          - Você sabe que não sairá daqui se não me contar, não sabe? Essa é a sua única chance. Acha que não sou capaz?

          - Espera mesmo que eu lhe dê o que você quer? Pode tentar fazer seu teatrinho, dizer que me deixará sair daqui, mas uma mulher como você não faria isso, não devolveria um garotinho traidor à sua turma. Eles são seus inimigos. E você sabe que ele não é fiel a ninguém, muito menos a você.

          - Deve ser prazeroso achar que me afeta. Está vendo essas baratas? – esmagou algumas com o coturno. Você é exatamente como elas. Muitas pessoas têm medo delas, mas por quê? Por terem sobrevivido a 300 milhões de anos? Isso não é suficiente pra mim. Elas são inferiores e fracas quando sozinhas. E é o que você é. Sozinho. Você está aqui e a sua única ligação com a vida sou eu. Eu posso te esmagar a qualquer momento e fazer você virar um nada. Quer mesmo discutir sobre quem é fiel ou não a mim?

          A resposta para aquela pergunta foi uma cuspida próxima ao pé que acabara de esmagar os insetos.

          Um clique para destravar a arma. Outro para mostrar que ele não teria uma segunda chance para repetir o ato. O som alto ecoou pelas salas, ficou no ar por um ou dois segundos. E então, o silêncio.

***

          Há um mês, o passado parecia estar muito longe, apesar das cicatrizes que jamais a deixariam esquecê-lo. Agora, ela já não sabia mais por quanto tempo elas ainda permaneceriam fechadas.


AdulteradaWhere stories live. Discover now