Prólogo

5.8K 257 33
                                    


Cinco anos antes...

É verão em Chicago, as férias se aproximam e estou cansado. Coloco os pés em cima da escrivaninha do escritório do meu pai. É no centro financeiro de Chicago, onde tudo acontece. O sonho do meu irmão, Pedro, é um dia ser um grande empresário e tomar conta dos negócios do papai. Espero que ele consiga, porque eu, já não tenho tanta certeza.

Pego o controle remoto da TV que fica na estante e sintonizo no canal de esportes, nunca fui ligado em esportes, mas estou sem vontade de procurar por outra coisa. O jogo do Red Sox contra Chicago Cubs está na metade. Na sala do meu pai tem algumas bandeirinhas do Chicago Cubs, ele é fã.

Fico admirando os jogadores dentro desses uniformes. Tem alguns até bem bonitos. Sou pego de surpresa quando alguém entra na sala sem bater. Tomo um susto e salto da cadeira derrubando um bloco de papel que estava na mesa. Engasgo tentando me recompor. Sempre fui mestre no quesito: "Ser estabanado".

— Ah meu querido! Perdão. Achei que o doutor Charlie já tinha voltado — diz Leona, a secretária "curvilínea" do meu pai. — Volto depois. Fique à vontade. — Ela dá uma piscadinha.

"Mulherzinha sem graça, e não sou seu querido"

— Oh! Não, pode ficar. É que — afasto-me da mesa, meio sem jeito, e sigo em direção a porta. — Acho melhor eu voltar outra hora. Não é nada de importante que não possa conversar depois com meu pai.

Aceno com a mão direita, desconfiado, para Leona e saio pelo corredor até o elevador.

"Sou muito sem noção" penso enquanto o elevador desce até o térreo. A porta se abre e dou de cara com meu pai.

Charlie Donovan tem cabelos pretos, lisos e bem cortados, com poucos fios brancos nos cantos. Ele é alto, da mesma altura que o meu irmão, o Pedro. Sempre vi meu pai como sendo o homem provedor da casa e nada mais do que isso. Nunca conversamos mais intimamente. Quase não saímos juntos. E quando assumi publicamente que gostava de garotos, a nossa relação só piorou desde então.

— Pablo! Você não era para estar na escola a uma hora dessas? — diz nervoso olhando no relógio.

— Pai. É que eu vim te convidar para almoçar comigo — digo cabisbaixo.

Ele põe as mãos na cintura. Respira fundo e me encara sério.

— Pablo. Eu não tenho tempo hoje. Podemos deixar para amanhã?

— Mas.

— Jantar. Que tal um jantar com todos? Você, seu irmão, sua mãe. O que acha? — Segura meu ombro. — Amanhã jantamos. Ok?

Concordo com a cabeça, mas fico olhando para o chão.

— Então está tudo acertado. Agora vá para casa. Tenho muita coisa para fazer — diz com se estiver em reunião de negócios. Segue em direção ao elevador. Ele não me olha mais. Só fica de frente para a porta de metal esperando ser aberta e seguir normalmente com sua rotina.

Observo-o entrar no elevador junto com outros engravatados que trabalham no mesmo prédio.

"Como você é idiota, Pablo"

Pensei que meu pai, o visionário senhor do vinho, Charlie Donovan seria sensível ao pedido de seu filho mais novo. Mas, enganei-me.

"Ele não quer mais saber da gente".

Depois que se separou da mamãe, ele não apareceu mais, mal dava notícias e nada que façamos chama sua atenção. A prova é tanta, que o Pedro começou na faculdade em Illinois e ele nem para dar os parabéns por telefone, ou por mensagem, ou até por carta. Decepcionante.

Atravesso as portas giratórias e dou passadas vagarosas pela calçada movimentada, até o ponto de ônibus. Meu celular toca. É o John. Meu atual namorado, mas não o atendo, estamos brigados e estou me fazendo de difícil. Outro toque. Olho para o aparelho que pisca as luzes do display. Desligo troço e o enfio dentro do bolso da calça jeans.

John e eu estamos namorando "as escuras" desde o ano passado, mas ele tem vergonha de mim, por isso nunca fui até sua casa. Nem a família dele, que é muito religiosa, gosta de mim. Então para que bater na tecla de: "Devo ser aceito a todo custo". Não. Se me quiser, vai ter que me aceitar do jeito que sou.

Quando o ônibus se aproxima, me dou conta que esqueci minha mochila na sala do meu pai.

— Merda!

Volto correndo para o prédio onde ficam os escritórios da Donovan's, a empresa de vinhos que mais vem crescendo no país. Devo sempre lembrar disso, pois meu pai está ficando mais rico.

Subo até o vigésimo andar, atravesso o corredor e chego na porta da sala. A secretária não está na mesa dela. Coloco a mão na maçaneta e quando faço menção em abrir para entrar, ouço gemidos. Audíveis gemidos. É meu pai dando um "trato" na Leona, pois o escuto chamar seu nome em meio aos gemidos. Os dois parecem dois gatos no cio. Isso me enjoa de tal forma, que sinto meu estômago queimar e o refluxo sobe por minha garganta. Caço a primeira lata de lixo que vejo e acabo vomitando.

Limpo minha boca com uns lenços umedecidos que achei em cima da mesa da secretária vadia. Respiro fundo tentando me recompor. Ergo-me e arrumando minha camisa que ficou desarrumada, entro de supetão surpreendendo os dois que estavam fazendo alguma posição do Kama Sutra em cima da mesa de trabalho do meu pai.

— Esqueci minha mochila. — Aproximo-me do sofá de couro onde estava minha mochila e a ponho no ombro de uma vez. Olhando para os dois eu digo ironicamente: — Continuem a diversão lindinhos! Não se acanhem com minha presença insignificante. Fui! — Levanto as mãos e saio fechando a porta atrás de mim.

Com olhos marejados, coração apertado e completamente horrorizado com a cena que vi, sigo de volta para casa. Só quero afundar minha cabeça no travesseiro de uma vez.



Manhã de Domingo (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now