Capítulo 29 - O Rabisco

Start from the beginning
                                    

Algo tão gigantesco e tão fora de suas compreensões que dava medo. Mas era aquele medo misturado com adrenalina. Aquele medo que, por mais que fizesse uma pessoa congelar de pavor, dava um prazer estranho, uma sensação de perigo e vivacidade que fazia valer a pena. Eles só não sabiam o que valia a pena.

Quando chegaram ao pátio, os bancos já estavam tomados de alunos eufóricos e gulosos. As gargalhadas desenfreadas, as brincadeiras típicas de adolescentes, as meninas que cochichavam umas com as outras apontando para os meninos que tinham interesse, os meninos que sabiam disso e riam uns com os outros, discutindo qual deles era o mais atraente.

Tudo naquele pátio se misturava e explodia em vibrações enérgicas. No entanto, Ian, Mabel, Higino, Norah e Rafaelo estavam na sintonia oposta.

— Aquele canto serve – apontou Ian para uma área mais vazia, sem bancos. Norah fez uma careta de nojo:

— Vamos sentar no chão?

— Se você não tiver uma ideia melhor, baby... – debochou Rafaelo.

O sol estava brilhando rebeldemente contra o inverno carioca. Eles sentaram no chão, que embora fosse pavimentado e protegido pela sombra do enorme prédio em U, tinha poeira suficiente para Norah fazer sua careta de nojo típica e repeti-la mais três vezes ao longo da conversa.

Eles fizeram um círculo e Higino colocou o caderno no meio. Os olhares caíram sobre o objeto como um abutre que observa a presa agonizante, ávido para atacar na primeira oportunidade. Se algum aluno visse, pensaria que eles praticavam algum tipo de bruxaria ali, tamanha era a perfeição do círculo e o transe em que se encontravam, olhando fixamente para o caderno.

— Tem muita coisa aqui dentro – disse Higino.

— Muita mesmo – reforçou a irmã.

— Muitas anotações e estudos sobre Terraforte – ele continuou.

— Alguma coisa sobre Zero? – Ian perguntou sem tirar os olhos da capa dura que brilhava. O amigo respondeu, depois de respirar fundo:

— Um pouco, mas descobrimos o que é a Ferida da Terra.

O silêncio que pairou em seguida foi tão sobrenatural que pareceu cessar até mesmo o som esganiçado dos alunos em volta. Se foram dois segundos ou dez minutos sem som, eles não saberiam responder. Por um momento o tempo pareceu congelar e eles sentiram medo de abrir o caderno.

— Descobriram... – Mabel começou, mas não conseguiu terminar.

De alguma forma descobrir o que era a Ferida os colocaria mais perto de Zero. Mais perto da morte.

— Olhem isso – disse Higino, ao abrir o caderno e folhear até quase o fim.

As páginas folheadas, eles viram de relance, continham muitas anotações, cores e desenhos bem feitos, mas nada que desse tempo da mente processar. O magricela parou em uma página que continha um papel dobrado que estava preso com muitos clipes. Fazia volume por baixo. Ele puxou a folha com delicadeza e fechou o caderno.

— Aqui – ele disse.

Os outros quatro se aproximaram, quase batendo as cabeças enquanto Higino abria a folha: branca e comum, estava rabiscada com lápis e caneta vermelha.

A escrita mais chamativa dizia A Ferida da Terra / Amostra e estava circulada violentamente com hidrocor vermelho e tinha uma seta apontando para o lado, onde um anexo estava grampeado firmemente na superfície da folha. Uma fileira de grampos dizia que aquilo deveria sempre continuar anexada ali.

Os Descendentes e a Ferida da Terra (Livro Um)Where stories live. Discover now