O canto da floresta

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Amber acorda assustada ao perceber que sua irmã não está ali. Seus olhos se abrem rapidamente e ela examina a cabana tão conhecida, com muito cuidado. Pronta para fechar os olhos caso seja necessário. O outro lado da cama está bagunçado. As vigas do teto permanecem intactas. As xícaras do chá de ontem a noite continuam em cima da mesa. Mas Eve não está em lugar algum.

- Se você não me encontrar e não houver nenhum bilhete. Escute bem, Amber, não saia da cabana, em instância alguma. Tranque a porta e me espere voltar.

- E se você não voltar? – os olhos de Amber abriram e fecharam, atentos, aflitos.

- A natureza vai ficar mais bela.

A natura é feita da alma de gente como elas. Bruxa como a sociedade as intitula. Mal sabem eles que dependem delas para sobreviver.

Amber sempre foi extremamente teimosa. Levantou da cama. Abriu a porta e começou sua caminhada. As pedras estavam meio bagunçadas, a terra estava batida, alguém havia passado por ali. Então, um pensamento passou por sua cabeça. Só havia um lugar em que ela poderia estar.

*

As árvores esconderam Amber. A cabana a guardava, mas agora teria que se virar na floresta. Eles poderiam voltar. As lágrimas da garota escorriam ao se lembrar da primeira lembrança. Ao se lembrar das lições. Lembrou-se do dia em que ateou fogo na mata sem querer e sua irmã a empurrou de volta pra cabana correndo. Agora sabia.

Queria fechar os olhos, mas precisava ver, precisava ver os últimos momentos. Os olhos das irmãs se encontraram por alguns segundos. Elas se comunicaram apenas com um olhar.

Continue. Fuja. Viva na floresta. Controlo-se. Não deixe que te encontrem.

Quando o fogo por fim consumiu Eve - não só aquele ateado pelos homens, mas o que ela gerou – Amber caminhou em busca de um lugar seguro – embora soubesse que não haveria um. Ela controlou toda a raiva que sentia enquanto via os lagos se encherem ainda mais. As árvores crescendo. Os pássaros voando agitados.

Naquele dia, um pouquinho do oceano se esvaiu, junto com os olhos de Eveligne.

*

Todos os dias, Amber sentava em um amontoado de folhas e cantava. Cantava para o mundo com a força de um tsunami, a calmaria do barulho das águas e o silêncio de um sábio. O melhor momento era a hora de dormir, quando se dava ao luxo de criar uma fogueira e podia finalmente libertar sua raiva, sua indignação. Um dia, ela sempre soube, eles a encontrariam, e a natura, ironicamente, ficaria mais bela. Por isso tinha como principal objetivo continuar viva. Algo a puxava para o outro mundo, para ficar junto de sua irmã. Mas ela não queria deixar o que era bom para aqueles tão estúpidos.

Alguém a viu acender uma fogueira sem usar nenhum tipo de instrumento. Um garotinho aparentemente inocente. Mas quando seu olhar encontrou o dele durante aquela noite , ela soube: havia chegado a hora.

Seus olhos estavam vendados. Sentia o vento bater em suas costas. Lembrou-se de seus dias na floresta. Lembrou-se de como fez vários pontinhos de luz dançarem no céu e guardou esse feito para si mesma. Sabia que era algo especial. Ela controlava a luz. Mas nunca pode fazer isso novamente, não sem correr o risco de ser pega.

Então desejou que tivesse ateado fogo em tudo. Ficado tão fria a ponto de esvaziar os mares. Mal sabia ela que os homens acabariam com tudo sozinhos.

Deixou-se levar. Ouvia os gritos da multidão. Pecadora. Bruxa. Maldita. Foi jogada contra o tronco e sentiu o cheiro do álcool invadindo seu corpo. E então, juntou toda a raiva que tinha guardado por anos e ateou fogo em si, como um último grito de liberdade. Ela sabia cria-lo, mas não poderia sobreviver a ele.

Enquanto a população gritava extasiada e o fogo chegava em sua cabeça. Abriu os olhos e viu o menino, em meio as árvores. Pontos de luz dançavam ao redor dele.

Fechou os olhos. Silêncio.


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