Capítulo 2

4.2K 415 76
                                    

Os dias se passavam sem que eu percebesse. Constantemente dopado para aguentar os efeitos do que estava me mantendo vivo e sem a capacidade de concluir pensamentos lógicos, eu sonhava com ela, com nossa briga, com noites não vividas, com meu aniversário, e em raros momentos umas voz no fundo de minha consciência perguntava por meus irmãos, mas eu nunca estava vivo o suficiente para me dar a atenção necessária a essa preocupação.

E como isso já não fosse o suficiente, ao acordar, tinha de encarar o sorriso irritante do homem que sempre escoltava a médica, ou melhor dizendo: de meu carcereiro particular.

— Deita aí, princesa — ele provocou, vendo que eu estava me levantando sozinho da cama, e tal provocação serviu apenas para fortalecer minha determinação em fazer o que bem entendesse, o que acabou sendo um grande erro. O chão sob meus pés cedeu e acabei caindo de cara na cama.

— Ou Ou! Eu avisei!

— Não preciso de sua ajuda — reclamei, tentando me livrar de suas mãos prontas para me levantar.

— Não é o que tá parecendo não, viu?

Me recusei a dar uma resposta, até porque estava ocupado lidando com a falta de forças nas minhas pernas por estar tantos dias sem usá-las de verdade.

— Talvez seja bom umas caminhadas. Se prometer se comportar, é claro.

Um soco bem no meio da cara dele…

Fiz mais esforço do que meu corpo estava preparado para fazer ao ponto de sentir o pulsar de meu sangue, aquela falsa sensação de ser capaz de ouvir os seus batimentos cardíacos, e logo minhas mãos, de forma instintiva, foram até meu coração, sentindo o quão inquieto estava. Fosse medo por estar preso ali, sem notícias dos outros, ou efeito do remédio entrando em minhas veias, eu apenas estava grato por ele ainda estava ali, bombeando sangue para todo o meu corpo. Ele havia sobrevivido, não apenas àquela noite, após ter sido feito em migalhas como um pão velho dado aos pombos de uma praça qualquer, mas ele também havia sobrevivido a um tiro que podia facilmente ter encerrado minha vida.

Eu merecia o que havia me acontecido naquela noite. Eu poderia ter me afastado enquanto ainda havia essa possibilidade ou ao menos deveria ter lhe contado. A forma como ela me olhou, como descobriu... Eu tornei tudo ainda mais complicado. Mesmo que magoá-la fosse a última coisa que eu poderia querer no mundo, foi exatamente o que fiz, com grande maestria e acompanhado com um drama digno de grandes óperas, sendo presenteado logo em seguida com uma ressaca que nunca esqueceria, uma ressaca que ainda não havia terminado, pelo visto.

— É melhor comer antes que esfrie — o carcereiro irritante aconselho, apontando para o prato que trouxe consigo. — É algum tipo de sopa. Disseram que é pra ajudar na recuperação, mas se eu tivesse levado um tiro, iria querer um hambúrguer completo ao invés de uma sopinha sem graça. Mas, como não é pra mim mesmo, dane-se.

Meu estômago grunhiu com a mera menção a um hambúrguer e irritei-me comigo mesmo pela pequena demonstração de fraqueza na frente daquele cara.

— É melhor você comer. Você está no soro há dias. Isso nutre, mas você precisa de comida de verdade aí dentro.

— Se você chama isso de comida — provoquei levando a primeira colherada à boca, pensando se deveria fazer a pergunta que estava gritando dentro de mim. Queria saber quem mais estava de refém ali, onde Danitria estava e como ela estava. Mas mantive a boca calada, temendo que isso pudesse dar a eles algo a mais para usarem contra mim.

Não dormir aquela noite. Uma parte de mim dizia que, se eu fechasse os olhos, eles podiam nunca mais abrir. Outra parte estava preocupada com o que eu podia ver em meus sonhos. 

Jogos da Ascensão II - As Garras de EtamaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora