Minha Filha

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A menininha estava deitada
Sobre o urso que ganhara no Natal
A pequenina outrora alegre e agitada
Agora permanecia deitada e calada
Tão pequenina a pequenina
Quase não parecia uma menininha
Parecia mais uma bonequinha
Com seus olhinhos e boquinha
Fechados em um grande traço.

Sentia-se não tão pequenina
Rodeada por Barbies e casinhas
Todas menores ainda
Fazendo-na uma gigante
Independente e confiante
A rainha de seu próprio mundo
Que não era nem um pouco pequenino.

Desligara a luz para provar a seu pai
Que o medo do escuro jaz em uma lápide do seu passado
Mas, cá está a menininha
Apertando o urso que a faz sentir-se
Grande
Tão grande quanto papai
Tão grande quanto a mamãe

Abrira os olhos para certificar-se de que tudo estava em seu devido lugar
E provar que Toy Story não passa de mais uma mentira contada para criancinhas como ela
Como o bicho papão
Como a Cuca
Como a Bruxa do 71
Estava tudo certinho

A pequenina olhou para as paredes rosas de seu quarto
"Agora sou a boneca"
Pensou
Mas tão pequenina pensando assim?
Por quê, menininha?
Encostou o queixo no cotovelo
Encarando o nada.

- Não tenho medo do escuro.
Disse com sua voz de criancinha que encara o mundo
Sozinha. Pequenina.

Ouviu a porta abrindo-se
Um restinho de luz adentrando o quarto
- Filha, tá dormindo?
O papai olhava diretamente para o corpo da menininha
Penoso
Choroso
Mórbido

- Tô não.
Respondeu decidida
A não se dar por vencida
Pelo temido escuro

- Posso conversar com você?
Já foi sentando ao lado da filhinha
Admirando seu olhar igual ao da mãe:
Negro e obscuro

- Pode, papai.

A pequenina deitou-se
No colo do papai
E pôs toda sua atenção
À disposição
Ao monólogo
Do pai

- Você se lembra da Tatiana?
Que veio almoçar aqui naquele domingo?

- Papai, cadê a mamãe?
No peitinho apertado
Nascia um sentimento
Mais sufocante ainda
Que lhe deixava com o coração amarrado

- Ela está em um melhor lugar agora, bebê...

- Vocês se separaram? A tia Sandra Wanderleia disse que é normal, papai.

- Não nos separamos, filhinha.

- Então você está traindo a mamãe?

- Não, meu amor. Daqui uns anos você entenderá.
Ela olhou desapontada
Para a face
Do homem
Desconfiada, afinal.

Ele não poderia falar
A ela que
Sua mamãe
Estava morta.
Não podia.
De jeito algum
Não podia falar a ela
Onde sua mamãe estava
A sete palmos do chão.

No entremeio do silêncio
Ouviu-se um "ding dong"
A pequenina espantou-se
Mamãe, mamãe
É ela, é ela.
A menininha pequenina
Pulou do colo do papai

- MAMÃE!

- Calma, amor. Não é mamãe.

"Ele está mentindo"
A filhinha desceu as escadas
De dois em dois degraus
Pulando e correndo
Abriu a porta
Que
Acidentalmente estava destrancada

- Mamãe.

Um barulho. Um tiro.
A pequenina tão pequenina
Caída no chão
Jazia junto ao medo do escuro
Jazia também o pequenino mundo
Da pequenina menina
Tão pequena
Tão menina
Minha filha
Vindo a mim.

Ordinary CofféWhere stories live. Discover now