Capítulo 14: Surpresas de outubro

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  Quanto mais amigas eu tinha,mais pessoas queriam me alimentar; era como ter meia dúzia de mãesjudias. Eu não era do tipo que recusava um segundo jantar, já que nunca dava para ter certeza quandoseria servida uma próxima refeição decente. Mas,a despeito da minha dieta rica em calorias, eu estavaficando bastante competente na ioga, levantava sacos de cimento de 36 quilos no trabalho e corria nomínimo cinquenta quilômetros por semana, por isso não estava engordando.Desintoxicada,sem álcool esem drogas, compreendi que,assim que voltasse para as ruas, ou perderia a linha de vez ou me tornariauma verdadeira obcecada por saúde como Janet Ioga.

Dentro de pouco tempo, eu iria perder Janet Ioga. Ela estava prestes a se tornar uma mulherlivre, por isso eu aproveitava cada oportunidade para fazer ioga com ela, ouvindo-a atentamente eseguindo suas orientações em relação às minhas posturas.Eu nunca antes havia tido sentimentos ambíguosem relação ao fato de alguém voltar para casa — era um momento de muita felicidade — mas,agora,aperspectiva de sua saída despertava em mim uma terrível sensação de perda pessoal. Jamais admitiria issopara alguém, já que me sentia envergonhada. Mas ainda tinha mais de quatro meses pela frente, e nãoconseguia me ver aguentando aquilo sem sua presença inspiradora e reconfortante. Janet Ioga era aminha guia quando se tratava de cumprir a sentença sem abrir mão da própria identidade. Com seuexemplo,aprendi a operar em condições tão adversas com encanto e graça, com paciência e gentileza.Ela demonstrava uma generosidade que eu esperava alcançar no futuro.Mas também sabia ser dura: nãoera uma tapada. 

O "marco dos 10%" de Janet, o ponto na sentença de uma pessoa em que ela já pode sertransferida para um centro de recuperação, tinha chegado e passado, e ela estava ficando aflita pelo fatode a sua saída ainda não ter sido programada.Todo mundo ficava à flor da pele quando chegava a épocade ir para casa. Todas se agarravam a esses cálculos e datas. 

Mas Janet Ioga finalmente viu chegar o dia de voltar para casa, ou melhor, para um centro derecuperação no Bronx. Na manhã da sua libertação, fui para a sala de visitas na hora do café, por ondetodas as presas libertas passam a caminho do portão principal. Por alguma razão, a praxe exigia que amotorista do presídio estacionasse a van branca na frente dessa porta, onde uma pequena multidão sereunia para se despedir, e então Toni levaria a mulher prestes a ser libertada a cerca de 45 metrosmorro abaixo.A maior parte das mulheres passava pela porta carregando apenas uma pequena caixa compertences pessoais, cartas e fotografias.As amigas de Janet tinham vindo se despedir — Irmã, Camila,Maria, Esposito e Ghada. Ghada não parava de soluçar — ela sempre perdia o controle quando alguémde quem gostava deixava a prisão. 

— Não, mâmi! Não! — lastimava-se ela, as lágrimas correndo pelo rosto. 

Eu ainda não fazia ideia de quão longa era a sentença de Ghada; "longa" era uma estimativaapropriada. 

Em geral, eu adorava dizer adeus. Quando alguém ia embora, era uma vitória para todas nós.Costumava ir cedo para me despedir até de pessoas que não conhecia direito — eu ficava feliz a esseponto. No entanto, naquela manhã, pela primeira vez entendi como Ghada se sentia. Não ia me atiraraos pés de Janet Ioga e me agarrar chorando às suas pernas,mas sentia esse impulso.Esforcei-me bastantepara me concentrar em como estava feliz por Janet, pelo seu namorado tão gente boa, por qualquer umaque estivesse recuperando sua liberdade. Janet estava usando um colete de crochê cor-de-rosa quealguém tinha feito para ela como um presente de despedida (outra tradição mantida contra osregulamentos). Ela estava tão louca para ir embora que claramente precisou recorrer a toda a suapaciência para se despedir de todas nós, uma a uma. 

Ao chegar a minha vez, joguei meus braços em torno dos seus ombros e a abracei com força,apertando meu nariz no seu pescoço. 

— Obrigado, Janet! Muito obrigado por tudo! Você me ajudou tanto!         

Orange Is the New Black - Piper KermanWhere stories live. Discover now