Capítulo 8: Para deixar as vadias morrendo de ódio

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  Um hobby ao qual não aderi foi o crochê, uma obsessão entre as presidiárias por todo o sistema.Algumas das peças feitas eram mesmo impressionantes.A detenta que administrava a lavanderia era umamulher branca mal-humorada, de origem rural, chamada Nancy, que não fazia questão de esconder suaantipatia por todos que não fossem"do norte". Sua personalidade deixava muito a desejar, mas ela erauma notável crocheteira. Certo dia no Dormitório C, topei com Nancy, minha vizinha Allie B. e adeprimida Sally às gargalhadas. 

— O que foi? — perguntei inocentemente. 

— Mostra para ela, Nancy! — disse Allie, rindo.  

  Nancy abriu a mão. Na palma havia um pênis incrivelmente realista feito em crochê.De tamanhomediano, estava ereto, confeccionado com uma linha rosa, com bolas e um tufo de pelos púbicos marronsde algodão, com um jato de linha branca ejaculada na ponta. 

— É mais sentimental do que funcional, não é? — foi tudo o que consegui dizer. 

Allie B. vivia vários cubículos adiante, no Dormitório B, e era uma mulher alta,magra, de ombroslargos e queixo proeminente, que oscilava entre esquisita e bonita. Ela adorava doces e me lembrava opersonagem Dudu, do Popeye:"Com prazer eu pago na terça se você me der uma barra de chocolatehoje!" Louca por sexo e drogada inveterada, ela contava os dias para a sua libertação, quando poderia irpara casa,transar e ficar doidona,nessa ordem.Allie B. era franca e decidida a respeito da sua paixão pornarcóticos.Preferia heroína,mas se dispunha a ficar chapada com o que pintasse e muitas vezes ameaçavacheirar os solventes na oficina da prisão. Acho que lá não havia nada que valesse a pena ser cheirado. 

Allie tinha uma aliada, uma jovem do oeste da Pensilvânia que assumia com orgulho sua condiçãode caipira. Eu a chamava de Pennsatucky. Certo dia, Pennsatucky e eu estávamos no meu cubículo noDormitório B, quando minha vizinha Colleen e sua amiga Carlotta Alvarado passaram pelo corredor.Com um sorriso enorme e idiota, Colleen perguntou a Carlotta: 

— E aí? O que achou daquele brinquedinho que eu dei para você na semana passada? Bem legal,né? 

Carlotta riu, uma gargalhada de quem estava deliciada e saciada, e continuou andando. 

Lancei um olhar para Pennsatucky. 

— Consoooooolooooooos — disse ela, arrastando as vogais em seu sotaque do interior. 

Devo ter parecido intrigada, porque ela logo explicou: 

— Colleen deve ter esculpido algo maluco em uma cenoura ou coisa parecida.Algo diferente dohabitual.        

  — E o habitual seria...? 

— Um lápis com uma atadura enrolada, e um dedo de luva roubado da enfermaria em volta dacoisa toda.   

  — Não parece muito prazeroso. 

— Ah. Quando eu estava na outra cadeia, elas costumavam fazer consolos com uma colher, umabsorvente e um dedo de luva de borracha! 

Revelado mais um uso para absorventes.As diligentes artesãs do sistema penal seriam capazes deusar qualquer material que encontrassem pela frente. 

— Para momentos de desespero, medidas desesperadas, não é, Pennsatucky? 

— Sei lá o que é isso.  

  * * *  

  LOGO DEPOIS de mandarmos oito detentas colina abaixo para o programa de reabilitação,a ICF nosretribuiu o favor mandando uma nova leva de mulheres que se "graduaram" na prisão de segurançamáxima.Algumas delas estavam muito próximas de serem libertadas e outras ainda tinham uma boa parteda pena a cumprir. Qualquer que fosse o caso, elas costumavam ficar todas juntas,a não ser que tivessemamigas no presídio, tanto das ruas quanto dali de dentro. 

Orange Is the New Black - Piper KermanOnde as histórias ganham vida. Descobre agora