Capítulo II - Espectros Ocultos da Alma

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Quinze dias haviam se passado desde que terminei com Marcos e já trabalhava junto à Grasoil, montando um programa piloto em qualidade. A minha vida tinha melhorado substancialmente assim como meu humor. Nunca pensei que ficaria tão bem só por terminar com um noivado. O único problema era que Marcos continuava no meu pé, me ligando todo dia. Quando percebeu que eu não atenderia mais seus telefonemas, mudou de telefone e agora me ligava cada dia de um número diferente. Ele sabia que eu não deixaria de atender nenhum telefonema por não identificar o número, afinal meu trabalho muitas vezes dependia de atender pessoas das empresas e nem sempre as tinham cadastradas na lista de contatos do celular. Sai um dia mais cedo da Grasoil, pois estava com uma dor de cabeça terrível, minha TPM estava piorando e me dando enxaquecas. Passei algumas informações para o Dagoberto, a respeito dos procedimentos que iríamos adotar e disse que se ele precisasse de alguma coisa, poderia me encontrar no celular. Já estava quase chegando à minha casa quando o meu celular tocou. Ele era sincronizado por bluetooth com o rádio de meu carro e só precisei acioná-lo para ouvir, mais uma vez através dos alto-falantes, a desagradável voz de Marcos.

-- Meu Amor! Até quando você vai me castigar assim...

Revirei os olhos. Com a minha dor de cabeça explodindo, não iria travar mais nenhuma discussão com ele. Apenas desliguei. Minutos depois, já em minha garagem e quase desligando o carro, o celular tocou novamente. Não aguentei. Explodi!

-- MARCOS, VOCÊ QUER PARAR DE ME ENCHER O SACO! ACABOU. O QUE VOCÊ FEZ É IMPERDOÁVEL! NÃO TEM VOLTA, ENTENDEU? NÃO FOI SÓ POR TER PEGADO VOCÊ COM UMA PUTA ONLINE, EU JÁ NÃO TE AMAVA MAIS. VOCÊ É UM IMBECIL, EGOCÊNTRICO E UM SANGUESSUGA DISSIMULADO! É INCRÍVEL QUE EU NÃO CONSIGA CARREGAR MINHA COMPETÊNCIA PROFISSIONAL PARA O LADO AFETIVO. NÃO CONSIGO AINDA ENTENDER COMO EU FIQUEI TANTO TEMPO COM VOCÊ. ACABOU, OUVIU?

-- Sinto muito que sua vida sentimental esteja tão desestruturada, senhorita Boaventura, mas no momento, o que preciso mesmo, é de sua competência profissional.

Aquela voz de mulher soava suave, porém com um tom jocoso, quase como um sorriso do outro lado da ligação.

-- Senho... Senhora Brandão? Eu... Me desculpe...

-- Não é necessário desculpas. Se eu pegasse meu marido "online com uma puta" provavelmente estaria tão histérica quanto você.

Senti novamente o mesmo tom jocoso de antes nas suas palavras. Confesso que fiquei completamente sem reação, apesar de me irritar.

-- Mas não liguei para discutir sua vida sentimental, liguei para marcar uma reunião com você amanhã para avaliarmos alguns pontos de seu programa de qualidade que irá iniciar aqui na empresa. Espero a senhorita às nove horas da manhã aqui no meu escritório. Tenha um bom final de tarde.

-- Ok. Boa tarde.

Foi só o que consegui dizer, antes de ouvir a ligação encerrando. Bati com força com as mãos espalmadas no volante.

-- Ai! Que merda! Machuquei minha mão!

Esfreguei as mãos para aliviar a dor. Era só o que faltava, a mulher com olhos de falcão, sabendo em poucas palavras, o desastre da minha vida amorosa e provavelmente se divertindo com isso.

-- Marcos, dessa vez eu te mato! Que droga! -- Falei comigo mesma para expurgar minha ira.

Fechei o carro com dificuldade, pois nem apertar o alarme na chave eu conseguia direito de tanto que doía minha mão. Pelo menos agora, eu sentia mais dor na mão do que na cabeça e acabei esquecendo-a momentaneamente.

Todos falavam que eu era louca por morar em uma casa nesta cidade, mas detestava apartamentos e invasão da minha privacidade. Morava em uma casa na Urca e não me sentia em nada insegura. Entrei na sala e larguei minha bolsa e chave em cima do aparador. Provavelmente a Luiza, a minha empregada, já havia preparado algo para comer, mas eu precisava de um banho, desesperadamente, para relaxar. Fui até meu quarto e, antes de entrar no banheiro, já estava nua deixando um rastro de roupas pelo chão. Vocês devem achar que sou desorganizada, mas não é bem assim, apenas gosto de tirar a roupa e deixar espalhada enquanto tomo meu banho. Isto veio com a primeira vez que tive meu próprio espaço, lembro como se fosse hoje. Meus pais são tão irritantes com organização que eu disse para mim mesma que, o dia que tivesse minha própria casa, eu entraria e deixaria tudo espalhado. Lógico que com a educação que tive, deixar a roupa largada antes do banho era o máximo que conseguia fazer. Logo depois que saía do banho, voltava ao quarto já recolhendo tudo e colocando no cesto de roupa suja.

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