UM

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Tique-taque. Tique... Taque.

O dia estava absurdamente quente para o seu quarto claustrofóbico. Mechas de cabelo grudavam na nuca e a brisa fraca que entrava pela janela não era suficiente para tirar a sensação de moleza do corpo e da mente.

Luciana não queria sair dali, não enquanto não terminasse de ler aquele livro até a última linha. Era sempre assim depois de horas selecionando seu mais novo companheiro de solidão. Ela precisava chegar ao fim de qualquer jeito, não importasse quantas vezes já tivesse lido! Passava noites em claro, lia escondido no intervalo da aula ou folheava na sala, esperando que a professora não notasse sua distração. Ela necessitava saber que seus queridos amigos ficariam bem, que eles teriam forças para superar seus problemas e que, é claro, seriam felizes para sempre! Sim, o "felizes para sempre"...

Ao chegar à última linha, suspirou profundamente e fechou-o, abraçando-o por longos segundos. Um grande sorriso surgiu em seu rosto. A sensação de concluir uma leitura era única e especial. Às vezes o livro a decepcionava, era verdade, ou a irritava tanto que sua maior vontade era jogá-lo pela janela. Em outras, no entanto, o livro era tão bom que ela queria ficar naquela posição apenas por mais alguns minutos, para se acostumar com a ideia de que teria de dizer adeus aos seus fiéis companheiros ao folhear a última página.

Depois de se lembrar das aventuras e amores que acabara de ler, ela se espreguiçou. Estivera sentada naquela cama lendo há horas e sentia seu pé esquerdo dormente. Arrumou os óculos no rosto, pois tinham escorregado para a ponta do nariz e passou a mão em seu cabelo volumoso e ondulado, deixando-o solto.

– Finalmente! – sussurrou, levantando-se e deixando o livro em cima da velha mesa do computador.

Já havia lido aquele romance mais de quatro vezes, mas nunca se cansava de se emocionar com "Segunda Chance", de uma autora brasileira contemporânea. A cada leitura era uma sensação nova, um aprendizado novo e praticamente uma vida nova. Priscila Boltão era, sem dúvida, uma de suas escritoras favoritas.

"Ah, droga!", notou o trabalho de história em cima de um dos seus livros e praguejou mentalmente pelo seu próprio esquecimento.

Cada aluno era obrigado a pesquisar o curso superior que mais lhe agradasse e buscar universidades que oferecessem tal curso. Muitos dos seus colegas odiaram fazer aquela tarefa, exceto Luciana e mais meia dúzia. Ela sabia que sua professora querida de história tentava colocar juízo na cabeça de alunos de escola pública que sequer tinham perspectiva em concluir uma faculdade. Mas Luciana tinha esperança... Precisava ter. Escolheu Letras, pelo seu amor às palavras e ao mundo literário. Passou dias pesquisando, sorrindo e sonhando, para então cair de sua nuvem e dar de cara com a realidade. Sua vida nunca seria fácil.

"Perdi totalmente a noção do tempo!", pensou passando a mão com rapidez pelo cabelo. O trabalho devia ser entregue no dia seguinte, no penúltimo dia de aula do ensino médio, mas prometera para Afonso que buscaria o dele para entregar junto, já que ele viajaria àquela noite. Já passava das quatro da tarde e ela estivera tão concentrada na leitura que se esqueceu completamente da tarefa. Fazia aquele favor somente porque o rapaz lhe emprestara o notebook, bem mais potente que o seu que vivia dando problema, para fazer as pesquisas. No entanto, Luciana odiava ter que sair de casa, principalmente àquela hora, e ir à casa de um garoto.

Tentando ignorar o nervosismo e a sensação de claustrofobia que afogava os sentidos, pegou a chave de casa de qualquer jeito e saiu. Sabia que logo sua mãe voltaria da escola e ficaria irritada por não encontrá-la em casa, mas não podia deixar o colega na mão. Pelo menos Afonso morava a apenas duas quadras dali, pensou enquanto abaixava os olhos fingindo que não conhecia ninguém na rua. Desde que tinham se mudado para lá, os vizinhos sempre a chamavam de mal educada e estranha. Luciana tinha tentado, arduamente, manter amizades ou conversar com alguém do bairro, mas sempre que o fazia se sentia pressionada e ansiosa. Não conseguia mais se relacionar direito, não depois que...

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⏰ Última atualização: May 15, 2021 ⏰

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Sebo Fernandes [degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora