Prólogo

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Prólogo

Era fevereiro, fazia frio, e Lydia estava viajando há várias horas sem nenhuma parada. Estava esgotada. E agora alguns pingos de chuva sacolejavam a carruagem, tornando a viagem ainda mais exaustiva. A roda travou ligeiramente ao passar por um buraco na estrada de chão batido e ao se livrar do obstáculo a carruagem deu um pulo e Lydia bateu com a cabeça no teto. De novo.

- Deus! – ela resmungou ao passar a mão pelos cabelos tentando endireitar o chapéu preto fora de posição. Preto. Como todas as suas vestimentas.

- Você está bem, Sra. Wickham? – o cocheiro perguntou do lado de fora.

Lydia tomou fôlego e gritou em reposta:

- Sim!

E a viagem seguia, só ela e o cocheiro. Em outra época seria considerado inadequado uma moça da idade dela viajar sozinha, mas agora, devido as circunstâncias, isso já não importava. Lydia era uma senhora viúva, apesar de ter apenas 22 anos, e não mais uma virgem indefesa. E sua reputação já estava tão abalada que esse fato a mais não faria diferença.

Suas duas irmãs mais velhas e com melhores posições sociais, ambas casadas com homens ricos e influentes, não se negaram em acolhê-la. E por motivos particulares, Lydia optou por morar em Pemberley com Elizabeth Darcy. Com a irmã, seu poderoso marido e com o único filho do casal: Edgar.

A carruagem deu mais um pulo e a nova viúva se agarrou firmemente em seu único pertence para não cair: uma mala azul marinho tamanho médio. Lydia suspirou com pesar ao olhar para aquela mala. Tudo o que sobrou do seu casamento de 5 anos estava ali dentro.

Wickham... O seu príncipe... Aquele que roubou sua juventude... Aquele que roubou seus sonhos e os transformou em pesadelos. E ao longo dos anos, o príncipe foi se mostrando um sapo.

George Wickham tinha um cargo de tenente no exército, conseguido unicamente devido à influência de Mr. Darcy. Só que ele nunca estava satisfeito. Queria mais. Sempre.

No primeiro ano de casado, Lydia e George se divertiam, e George se consolava com o corpo jovem da esposa de 16 anos. Até que a novidade foi perdendo a graça. George Wickham não a amava, e aos poucos foi deixando se interessar por Lydia. Wickham, ainda no final de seu primeiro ano de casado, arranjou sua primeira amante fixa. E Lydia ficou em casa, ainda acreditando firmemente no caráter do marido, crendo que seus atrasos eram justificados pelo trabalho, pois Wickham continuava a procurá-la na cama, achando que se ela engravidasse, eles conseguiriam tirar mais dinheiro dos Darcy's. Mas o bebê não vinha nunca.

O jovem tenente, se sentindo preso a uma esposa estéril, passou a tratar Lydia mal. Ele a culpava por tudo. E no último ano, começou a beber bastante. Wickham perdeu o posto no exercício, devido a suas inúmeras faltas. Vivia puxando briga. E chegando em casa bêbado, certa vez espancou Lydia até deixá-la quase inconsciente. Agora, ela não tinha mais dúvidas sobre quem realmente era o homem com o qual se casou.

Lydia, no final do casamento, já não amava mais o marido. Ela o amaldiçoava por ter roubado seus sonhos e forçado sua fuga. O culpava por morar longe de sua família, por nunca mais ter visto seus pais e suas irmãs. Agora ela via com clareza o homem que Wickham era.

Lydia se correspondia através de cartas com suas irmãs. Há três anos, Kitty se casou, indo morar no sul da França. E há dois anos, seu pai faleceu. E ela não estava lá. Lydia chorou a perda de seu pai, até que as lágrimas a esgotassem. Queria voltar para a sua casa da infância, mas ela já não pertencia a sua família. Sua mãe, viúva, e sua única irmã solteira Mary perderam a propriedade com a morte do pai, que passou a pertencer a William Collins, e foram morar numa propriedade cedida por Darcy em suas terras. E agora que estava voltando, Lydia optou por ficar na casa de Lizzy e ajudá-la a cuidar de seu filho de dois anos, Edgar. E seria bom poder contar com mãe, a senhora Bennet, que também estaria por perto.

Viúva e pobre, Lydia, que escondia o fato nas cartas trocadas com sua família, foi obrigada a admitir o fracasso de seu casamento. Seus sonhos foram roubados, assim como a sua juventude.

Ela ainda era bonita. Ainda era jovem, com quase 22 anos. Mas não se sentia assim. Pelo menos por dentro. Por dentro Lydia se sentia fria e dura como uma pedra. A jovem de sorriso fácil se tornara fechada. O preto de suas roupas também estava dentro de sua alma.

Seu marido foi assassinado. Morto numa briga de bar. E deixou uma coleção de dívidas para Lydia. Dívidas que ela a muito custo conseguiu pagar vendendo todos os seus pertences, só lhe restando aquela única mala azul marinha. Lydia teve que se desfazer inclusive de seus melhores vestidos. O único mais aceitável agora era o seu traje negro de viúva. Traje que teria que vestir ainda por mais 7 meses. Até que completasse um ano do falecimento de George.

E ela não conseguiu chorar a morte de seu marido. Não conseguiu nem ao menos se sentir livre. Nada. A única coisa que a alegrava agora era a possibilidade de rever a sua família. Família que não lhe virara as costas e que a receberia de braços abertos.

Eram perto das 18 horas quando finalmente Lydia sentiu que a carruagem parou.

- Pemberley! – ela conseguiu dar um sorriso com um cantinho dos lábios, a perceber que logo veria sua família.

A porta se abriu, e alguns criados vieram recebê-la, e então Lydia viu suas irmãs (Lizzy, Mary e até Jane) e sua mãe esperando na porta principal, abrigadas da chuva. A mais nova das irmãs, esquecendo momentaneamente de tudo, esquecendo da chuva, esquecendo do preto que cobria o seu corpo e sua alma, disparou até elas, correndo novamente como uma criança.  

A volta de Lydia (completa)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora