Antes de dormir, fui passar meus cremes no rosto e fiquei me observando no espelho. Era bonita. Sempre fui elogiada por ter uma beleza delicada, bem feminina. Tinha apenas um metro e cinquenta e oito, era esguia, pele clara e macia, poucas rugas. Mas, apesar de poucas, estavam lá, dando mais maturidade aos meus traços e evidenciando os anos que vivi, sem, contudo, me deixar cansada ou acabada. Eu me sentia bem e poderia passar por alguns anos mais nova tranquilamente.

Meus cabelos eram naturalmente cacheados e, depois de alguns anos usando-os longos, resolvi cortá-los na altura do pescoço. Eu os penteava de lado, elegantes, bonitos, em ondas escuras. Infelizmente tinha cabelos brancos desde os trinta anos e por isso os tingia regularmente, para continuarem no castanho escuro brilhante. Com esses brancos eu até já me acostumara, o pior eram alguns pelos brancos na vagina. Isso me revoltava demais! A solução era depilar e nem lembrar que existiam.

Com a minha vida afetiva e social num marasmo quase absoluto, acabei relaxando um pouco, não me depilando ou cuidando dos cabelos com tanta frequência. Mas agora havia voltado a me depilar e tirei logo tudo, ficando surpresa de como minha vagina ainda era bonitinha, lisa e macia sem aqueles pelos que eram sinais claros da minha idade. Eu manteria assim com as depilações. Não pelo safado, mas para o caso de encontrar algum cara de repente. Afinal, eu estava precisando muito de um homem. E não me faria de rogada. Estaria pronta para um eventual encontro.

Voltei a fixar meus olhos castanhos claros em minha imagem. Meus cílios fartos e as sobrancelhas negras bem marcadas e modeladas deixavam meu olhar chamativo, talvez sendo o ponto forte do meu rosto. Tinha nariz pequeno e uma boca bem feita, o M do lábio superior bem marcado, uma pinta suave e natural do lado esquerdo da boca.

Sempre gostei do meu rosto. Em algumas épocas, quando estava bem desanimada e até depressiva, procurei alento na comida e cheguei a engordar dez quilos. Nestes períodos, não gostava do meu corpo e das gorduras sobrando, usava roupas mais largas e feias. Havia todo um discurso de que devíamos nos gostar gordinhas, mas o problema era que eu não era uma gordinha natural. Eu usava a comida como fuga e depois me sentia culpada, em uma roda viva.

Quando comecei a tentar sair da depressão, consegui emagrecer um pouco e me sentir melhor. Logo depois, minha vida foi mudando, eu comecei a me encarar de frente, a aceitar o que eu queria e não mais em minha vida. Então, parei de fugir, de me castigar, de me esconder.

Agora, eu me olhava no espelho e via a mim mesma, como sempre fui de verdade. Ainda tinha certa dificuldade em me admirar claramente, em assumir minhas qualidades. Nunca seria uma pessoa metida ou me sentiria melhor do que os outros, mas facilmente poderia me achar inferior e nem sabia ao certo por quê. As pessoas elogiavam minha aparência, meu caráter, meu talento como escritora. E às vezes eu me perguntava: será que estão falando de mim mesmo?

Fazia parte do processo em que eu estava me conhecer e me aceitar melhor. Mesmo que soubesse que realmente era uma boa escritora, uma boa pessoa, uma mulher atraente, eu ainda precisava vencer um mundo de incertezas e de cobranças.

Era difícil quando a pessoa que éramos falava com a gente todo dia. Por exemplo, mesmo sabendo que era uma pessoa de caráter, eu queria muito sair com um homem casado. Eu não pensava em outra coisa a não ser nele, principalmente depois daquele episódio no carro. E não tinha coragem de contar aquilo para ninguém. Mas eu sabia o que eu devia ou não fazer, assim como o que queria. Talvez me conhecendo mais naqueles momentos do que nos anos em que me calei e fui apenas a pessoa que esperavam que eu fosse.

Sempre achei que só realmente nos conhecemos e aprendemos quando nos arriscamos. Quando via aqueles monges budistas vivendo isolados em meditação, eu sempre pensava que era uma forma de fuga. Ali não seriam tentados nem obrigados a encarar seus defeitos, pois os escondiam ou minavam, mas será que realmente se livravam deles? Ou só arrumavam um jeito de se esquivar das dores e amargores que teriam em uma vida de contato com outras pessoas, sendo testadas?

De Volta ao PrazerWhere stories live. Discover now