O Divergente Conceito da Importância

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Bom dia.

Duas palavras. Duas sílabas. A primeira nasce no tocar de seus lábios e encontra sua morte quando o fundo de sua língua toca no céu de sua boca. A segunda se inicia assim que seu palato e a ponta de sua língua encontram-se, apenas para terminar em uma vogal. Um som que pende no ar, como uma leve brisa pende em um ambiente fechado.

Duas palavras monossilábicas, sem sufixos nem prefixos, e que ainda assim, conseguem me fazer perder a força nas pernas, obrigando-me a achar o sustento no balcão.

Geralmente olhos claros que são descritos como os mais arrebatadores e penetrantes, mas os pares de íris castanha à minha frente são a prova viva de que há exceções à regra. Seu olhar analisador viaja pelo meu rosto, absorvendo todos os detalhes possíveis. É como se minhas costelas fossem a tampa de um baú e ele as abrisse, uma por uma, descobrindo meu coração e tomando-o em suas mãos.

Faz um tempo.

Sim, faz um tempo. Um tempo que eu gostaria que tivesse se prolongado. Não sei quantos anos a mais, mas... pelo menos mais tempo. Mais tempo para que os cortes que seu amor desferiu em mim cicatrizassem completamente e somente fosse possível enxergá-los após uma minuciosa análise.

As linhas de expressão estão mais fundas, o cabelo mais longo, porém, ainda penteado para trás. Fora essas diferenças ele aparenta ser exatamente o mesmo de meia década atrás; a mesma pessoa dócil, sensível, triste.

E ainda tem o poder de me destruir com um sopro.

...

5 anos atrás

Apesar do show já ter acabado, eu conseguia ouvir gritos abafados de dentro da arena.

Eu não havia assistido a performance inteira. Devo ter saído cinco músicas antes do final, mas creio que estava perdoada. Receber uma mensagem de texto dizendo que seu pai havia falecido impediria qualquer um de aproveitar um show.

Recostei-me na parede da parte de trás da arena e li aquelas palavras repetidamente. Vinham de um número que não estava salvo em meus contatos e não havia ligações perdidas. Eu não poderia reclamar; ao menos a pessoa com quem ele estava se dera ao trabalho de me avisar. Mesmo que tenha sido por uma mensagem de texto e de maneira tão dura e fria.

Joseph faleceu. O funeral será na terça feira, Bordeaux.

Joseph faleceu. Sem "sinto em informar" ou "meus pêsames". Apenas a verdade nua e crua.

Eu não o conhecia; ele era mais como um conhecido distante de minha família que se dera ao trabalho de visitar apenas uma vez no meu aniversário de oito anos. Aquela fora a última vez que o vira. Joseph Montparnasse era um nome proibido em nossa casa. Ainda assim, era desconcertante receber a notícia de que o tempo de seu pai havia esgotado na Terra.

Quando eu falecesse, como meus filhos viriam a ter ciência disso? Por uma mensagem de texto, um e-mail, uma ligação? Se estivessem em um show, sairiam antes do fim e recostar-se-iam nos fundos de uma arena e refletiriam quanto às suas mortes?

Guardei o celular no bolso e acendi um cigarro. O vento frio do outono me castigava. Por o quê, eu não sei. Por ter largado a faculdade e estar descaradamente mentindo para minha mãe? Por trabalhar em uma lanchonete na qual pombas entravam despreocupadas e em que meu salário bastava apenas para um pequeno apartamento?

Por estar tão perdida?

O som de uma porta abrindo tirou-me de minhas divagações e de lá saiu um homem que não devia ser muito mais alto que eu. Vi a silhueta de um cigarro em sua boca e sua mão procurava pelo isqueiro no bolso de trás da calça, no bolso da jaqueta, no bolso da frente da calça... A busca pelo isqueiro perdido.

MonochromeWhere stories live. Discover now