Let me in or let me go

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Nas andanças do mundo e da vida acontece perdermo-nos dos outros, por vezes até de nós próprios. Muitas vezes encontramo-nos, muitas vezes não.

Lia acordou a sentir-se muito quente e com uma grande dor de cabeça. Demorou algum tempo a perceber que estava deitada no sofá onde adormecera na noite passada, enroscada a um cobertor, apesar de não estar frio nenhum na sala. Olhou em volta á procura de Rafael. Ela não se recordava de se ter ali deitado e coberto. Viu também que a lareira permanecia acessa, concluindo que o responsável já teria acordado.
-Rafa?
Como não obteve resposta levantou-se decidida a encontrá-la. Dirigiu-se para a cozinha e o que viu de seguida fez com que sentisse um forte aperto no peito, sendo atravessada por um tremor que abalou todo o seu corpo. No instante posterior o seu coração começou a bater descontroladamente e ela agarrou o primeiro pano que viu para tentar estancar as hemorragias, abanando a cara de Rafael para que ele acordasse. Ele encontrava-se inconsciente no chão, e á sua volta tinha uma poça de sangue, algum já seco o que mostrava que estaria ali algum tempo. Lia rasgou-lhe rapidamente a camisola e viu a ligadura que ligava o seu peito e ombro toda ensanguentada
- Rafa, acorda! O meu Deus, o que fiz? Não consigo faze-lo parar, o sangue não pára. Rafa, Rafa por favor!

A ambulância chegou em alguns minutos mas pareceu uma vida para Lia. Esta permanecia no chão a chorar, com um pano ensanguentado numa das mãos e a outra segurando o pulso de Rafael.

Quando chegaram ao hospital Lia estava fora de si. Rapidamente levaram Rafael e ela tentou ir com ele mas logo a agarraram e impediram

- Por favor, eu estou a estudar enfermagem...já fiz estágio aqui...por favor eu não quero deixá-lo...eu não sei como isto aconteceu..

Lia sentia-se tonta com todo aquele barulho e toda aquela agitação que a cercava, começando a ser incapaz de se manter em pé. Agora tudo á sua volta estava desfocado parecendo que o chão não mais a sustentava. Foi então que no meio de todas aquelas vozes que ouvia, mas que sinceramente já não entendia, ouviu uma que lhe era familiar. Virou-se para trás e reconheceu Lúcia, que corria para ela e que rapidamente a agarrou.

- Por favor, tragam-me açúcar, ela está a ter uma quebra. Lia, querida senta-te aqui e põe a cabeça entre as pernas. Tu tens de te acalmar, sabes disso.

Lúcia era a enfermeira chefe e também a supervisora do seu estágio no hospital. Ela simpatizara logo com Lia e ao longo do tempo sempre fora boa e a ajudara em tudo o que podia,tendo-se tornado grandes amigas.

- Lúcia, por favor eu quero vê-lo, a culpa foi toda minha..
- Lia, primeiro tens de te acalmar e segundo sabes que agora não podes vê-lo, tens de confiar em nós, está bem?- disse Lúcia dando-lhe um lenço para que limpasse as lágrimas, que lhe corriam pela cara- o que aconteceu? Tenho de ver essa ferida na testa?
- Não Lúcia, eu estou bem...mas o Rafael...ele ontem..ontem ficou muito magoado e eu queria que ele viesse ao hospital..eu juro que queria...mas ele...ele é teimoso..disse que estava bem..eu tentei ajudá-lo..eu tentei, achava que era capaz Lúcia, eu disse-lhe que ia ficar bem..eu disse..
- Lia, tens de te acalmar, o que te ensinei? O pânico não faz melhorar as coisas,pelo contrário. Vem, não quero que fiques aqui. Precisas de comer e tirar essa roupa.
Lia olhou para baixo e viu que ainda trazia a camisola de Rafael, que agora estava manchada com o seu sangue, o que aumentou ainda mais a sua dor, se isso era possível.
- Eu não quero ir... não sem ele - disse destroçada- não posso...
- Não vou contrariar-te mas não fiques aqui no corredor, pelo menos vai para a sala de espera
- Sala de espera? Lúcia eu quero..
- Lia!- interrompeu-a - por favor, sabes que estás demasiada envolvida, ainda não estás preparada. Confia em nós!
- Mas tens de ir ver como ele está, por favor, eu peço-te.
- Não te preocupes, vai ficar tudo bem. Assim que souber alguma coisa eu digo-te.
...
Um dos lados da sala era constituída por três janelas que iam do chão ao teto, o que permitia ver o mundo que estava lá fora e que curiosamente refletia bem o estado de espírito de Lia. O que ela via das grandes vidraças era um dia chuvoso e escuro, consequência de um céu cinzento e pesado. Já perdera a conta ás vezes que se tinha levantado da cadeira e deambulado pelo corredor, desejando que alguém lhe dissesse alguma coisa. Finalmente voltou para a cadeira, encostou a cara a uma das frias janelas e ficou a ver as gotas de chuva a escorrer por ela, enquanto as suas lágrimas escorriam pela sua cara. E ficou ali, mais tempo do que imagina, á espera que o destino se cansasse de brincar com ela.

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⏰ Last updated: Apr 06, 2016 ⏰

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