A Busca Constante

105 4 2
                                    

Desde que a grande praga arruinou o planeta ninguém sabe exatamente o que aconteceu. Antes de descobrirem uma cura ou conseguirem explicar a situação, a doença já havia atingido os médicos e cientistas. Os poucos sobreviventes são encontrados cada vez menos. Já perdi a conta de quantas semanas não vejo ninguém. Meu nome é Lívia, mas faz tempo que não ouço alguém me chamar assim. Faz tempo que não ouço outra voz além da minha.

Mesmo diante desta solidão, não posso me arriscar. Visto sempre roupas masculinas, o cabelo mantenho sempre bem curto. Quando a confusão tomou conta da cidade, corri sérios riscos de morrer por não estar seguindo estas regras. Mas o mais importante é manter o meu estoque de comida bem escondido. No canto da sala, retirei cuidadosamente os quadros que estavam no chão encostados na parede. Embaixo deles, puxei o tapete para o lado, revelando uma tábua solta. Retirei ela e puxei um saco de lona de dentro do assoalho. Desamarrei e conferi o que havia lá, não muito. Coloquei ao meu lado duas latas de conserva, uma de milho e outra de ervilha. Era só o que eu tinha. Sorte a minha que o meu gosto por comida era muito amplo. E com os meses que já passei sobrevivendo nesse mundo solitário, conseguiria fazer aquela pequena refeição me satisfazer por dois dias. Mas isso não me afastaria da próxima árdua tarefa: buscar comida.

Fechei meu esconderijo, deixando minha última refeição do lado de fora. Puxei do bolso um canivete e abri as duas latas. Peguei uma garrafa pequena, que uma vez guardava água, mas agora estava vazia. Coloquei o líquido da conserva dentro. Em momentos como esse, tudo deve ser aproveitado. Em situações de muita sede, aquilo tinha um gosto fantástico e muito refrescante. O conteúdo das latas despejei em um pote, misturando as bolinhas verdes e amarelas. Quanta cor, uma criança iria se divertir com uma refeição assim, pensei em um momento de descontração, coitada da criança, viver em um mundo como esse, concluí o pensamento voltando para a realidade.

Apesar da situação lá fora, dentro da casa me sentia de certa forma segura. Podia criar minha própria realidade e imaginar que tudo aquilo não existia. Estava apenas sendo obrigada a não sair de casa. Às vezes funcionava, mas a solidão logo chegava, me lembrando de como as coisas realmente eram. A sensação de voltar para casa, depois de uma ida às "compras" naquele mundo sombrio, era tranquilizadora. A última vez que havia saído, trouxe comigo uma grande quantidade de comida. Por sorte, encontrei uma mala em uma rua deserta. Provavelmente alguém havia deixado ali em um momento de desespero. Sorte a minha, estava carregada de grãos, biscoitos e enlatados. Passei um mês com aqueles mantimentos, mas uma hora iria terminar, pensei, observando o pote cheio daquela comida colorida.

Comi um quarto do que havia disponível, não era ruim, mas tive que dar uns goles naquela água improvisada que havia colocado na garrafa. Só assim para a comida descer. Meu estômago estava embrulhado por causa da angústia em pensar que teria que sair de casa. Terminei a refeição por obrigação, para ter um pouco de energia caso a situação ficasse perigosa lá fora. De onde estava sentada, olhei por uma fresta da janela. Não conseguia enxergar praticamente nada, mas ficava imaginando se o mundo continuava o mesmo. Levantei, teria que encarar aquela realidade.

Coloquei a mochila vazia nas costas e andei em direção à porta. Encostei na maçaneta e girei lentamente. Um arrepio tomou conta do meu corpo. Estar lá fora era extremamente perigoso, mas não havia outra opção. Abri a porta devagar e espiei a rua. Deserta, não havia um barulho, somente o som de algumas gaivotas não muito longe dali. Respirei o ar puro, fazia tempo que não sentia aquele cheiro de liberdade. Mas não iria durar muito, teria que ser rápida. Coloquei o pé para fora de casa, o coração batia rapidamente. Caminhei em direção ao desconhecido, já sonhando com o retorno para casa.


Gostou? Continue lendo!

Acompanhe meus contos e meus livros através do meu blog e das redes sociais. Acesse www.CarinaPilar.com!

Até a próxima! ;-)

Mini Contos ApocalípticosWhere stories live. Discover now