Eu solto uma risada.
— Jura?
— Juro! Ela meio que girava no ar e pousava como se tivesse escolhido cair daquele jeito. Quase aplaudi no sonho.
— Você contou pra Júlia isso?
— Não! Mas talvez eu mande uma mensagem. Dois emojis: um pêssego e um cacto.
Eu engasgo de tanto rir. Rebeca solta um som breve. Um riso pequeno. A colher ainda girando na xícara. Mas seus olhos... não acompanham a risada.
É quase imperceptível. Mas pra quem conhece... é claro.
Ela está desconfortável. Ela está... observando.
E não faz sentido.
Quer dizer...
Faz.
Seria ingenuidade — ou pior, mentira — fingir que não carrego isso comigo desde 2016.
Desde aquela noite em que escapamos da vila olímpica como adolescentes conspirando contra o mundo.
O vento cortava o terraço, o céu do Rio parecia mais perto, e entre uma piada tímida, um casaco emprestado e um silêncio carregado demais pra ser só silêncio...
Algo mudou.
Foi ali que tudo começou.
Ou melhor: foi ali que algo em mim acordou.
Algo por ela.
Por Rebeca.
Mas o tempo passou.
Ela não disse nada.
Nunca cruzou o limite.
Nunca olhou de volta do jeito que eu olhei.
E eu não sou do tipo que força a porta que não se abre.
Nunca fui.
Então, fiz o que aprendi a fazer: enterrei.
Engoli.
Reescrevi o sentimento até que parecesse só amizade.
E me tornei boa nisso. Boa demais.
Mas agora...
Agora os olhos dela tremem quando pousam em mim.
E dizem tudo aquilo que a boca dela ainda não teve coragem de confessar.
Suspiro e esqueço isso, pelo menos agora, preciso de foco para o treino.
Estamos no ginásio principal.
O espaço é imenso, frio, iluminado por holofotes brancos demais — que fazem parecer que o dia nunca termina. Cada delegação ocupa um canto: vozes em inglês, português, francês e espanhol se misturam como uma orquestra dissonante. O som constante dos pés batendo no solo, o baque abafado das aterrissagens, os assobios curtos dos treinadores e o rangido metálico das paralelas assimétricas criam uma trilha sonora que só quem vive isso entende.
Melanie e eu estamos no centro do tapete de solo. Começamos com alongamentos espelhados, quase coreografados de tão sincronizados, nossas respirações se encaixando como metrônomos. Em seguida, passamos para aquecimentos mais intensos — saltos grupados, piruetas, pequenos encadeamentos. Ela me provoca em cada pausa, e eu devolvo com sorrisos. É leve. É divertido. Natural.
No meio de um giro carpado duplo, ela perde o eixo — tropeça no ar como se o corpo tivesse esquecido por um segundo como cair em pé.
Instintivamente, antes mesmo de pensar, meu braço dispara e a seguro pela cintura.
Minhas mãos encontram a pele úmida de suor sob o tecido fino do moletom. A tensão do músculo dela, a curva exata da sua lateral.
Por um segundo — só um segundo — o toque se alonga.
Ela ri alto, meio assustada, meio aliviada.
— Ui, quase fui pro chão.
— Ainda bem que sou rápida — respondo, com um sorriso torto, e deixo o braço escorregar devagar de volta para o lado do meu corpo.
Nos sentamos logo depois, ofegantes. Ela pega uma barra de proteína e joga outra pra mim. Abrimos juntas enquanto ela pega o celular e coloca na nossa frente: a gravação de um dos nossos treinos sincronizados.
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Between The Lines
FanfictionNo mundo da ginástica de alto nível, tudo é medido - tempo, controle, desempenho. Mas nem tudo. Nem o jeito como o olhar dela demora um segundo a mais. Nem o toque sutil das mãos que se encontram e não se afastam. Nem o silêncio que pulsa mais alto...
That Way
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