Capítulo 1

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Adoro esse clima que faz durante o fim do ano. Quando chega novembro, parece que os dias vão ficando mais amenos, que as pessoas se tornam mais amigáveis. Então, quando dezembro dá as caras, até aqui em João Pessoa parece que chega um friozinho particular, que faz as pessoas querem estar mais próximas.

Talvez seja por isso que eu tenha tomado a decisão. Ou talvez apenas tenha cansado de mentir para minhas amigas.

Este ano fiz um pedido especial para o Papai Noel. Não, eu não sou uma criança, ora bolas. Já tenho 13 anos muito bem-vividos e sei que as cartinhas que escrevíamos para ele, nossos pais que liam. Falei de maneira metafórica.

De todo jeito, dizem que existe magia no Natal. E resolvi que quero minha parte.

***

Namorar não era algo em que eu pensasse. Mas quando meus pais se separaram e mudei de cidade com minha mãe e minha - urgh - irmã caçula, precisei enfrentar uma escola totalmente desconhecida.

Entretanto, para minha surpresa, as pessoas foram legais. E chegavam aos montes para conversar comigo. Acho que ser "a garota nova" tem suas vantagens. Todo mundo queria saber como era minha vida em Campina Grande, o que eu gostava de fazer, onde tinha estudado e assim, em uma semana, meu número de amigos no Face triplicou.

Não ser tímida e falar com todos os curiosos ajudou, mas quando me perguntavam sobre minha família e eu precisava entrar no assunto "separação", me sentia desconfortável. Mesmo assim, sempre tive veia de atriz. Respirava fundo e dizia, como se aquilo não me doesse, que estava morando apenas com minha mãe. Dali, mudava o rumo da conversa.

Amanda e Nicole foram as colegas que mais se aproximaram de mim. Estudamos na mesma sala e foram elas que me falaram sobre as aulas de Teatro da escola. Então, me vi mais uma vez com amigas e de quebra, poderia estudar uma coisa muito legal. Tinha uma compensação no final de tudo.

Não que as outras matérias não sejam legais, eu AMO estudar, mas o Teatro teve um significado novo para mim e sempre me empenho do jeito que posso. Ajudo o professor, leio livros sobre atuação, coloco minhas ideias e auxilio nas produções semestrais das peças.

A questão é que as meninas não conseguem iniciar uma conversa sem falar de meninos, beijos e namoros.

Amanda namora um carinha. Eu não vou com a cara dele, sei que não é alguém que sirva de namorado. Nicole já ficou com uns meninos também, apesar de não ter namorado de verdade. E um dia, enquanto nos preparávamos para dormir na casa de Amanda, elas estranharam o fato de eu nunca comentar nada sobre meus relacionamentos.

— Por que você nunca fala dos seus paqueras, Mari? – Nicole ficou curiosa.

— É mesmo, por que esconde da gente? Não acha que merecemos sua confiança? – A anfitriã fez uma cara de cachorrinho triste.

Sentiu a pressão? Eu também. Obviamente não contava nada, simplesmente porque não havia nada a ser contado. Porém fiz o que qualquer pessoa acuada faria. Menti.

— Não é nada disso, meninas! Eu adoro vocês. Só acho que minha vida amorosa é meio caótica para as preocupar com isso agora.

Ao invés de deixarem o assunto morrer, porque ninguém gosta de preocupação à toa, minha fala fez com que seus olhos brilhassem. Cada uma agarrou um travesseiro e se sentou mais perto do meu colchão.

E aí contei a história fictícia. Ninguém precisava saber que eu jamais tinha beijado um garoto na boca.

***

Vejo meu pai esporadicamente. Mas ele e mainha conversam mais civilizadamente depois da separação. Nessas falações pelas costas das filhas, decidiram que temos que passar os Natais com ele e os Anos-Novos com ela.

Detestei a ideia principalmente pelo fato de ele ter ido morar com uma lambisgoia ridícula apenas quatro meses após a separação. Era demais ter que dividir o mesmo teto com aquela pessoa, nem que fosse por alguns dias.

Mainha tem um namorado. Mas é diferente. Primeiro, eles não moram juntos. E, depois, é bem recente.

Mas meu pai, sempre que liga para falar conosco, diz que "Larissa mandou um abraço". Quem quer abraçar aquela pessoa? Mesmo assim, sou educada e devolvo a pseudogentileza. Quer mostrar para painho que podemos ser uma família. Percebe o que eu falei sobre ela ser ridícula?

O pior de tudo, é que ele acredita nisso e até pediu para minha irmã adicioná-la no grupo que tínhamos no WhatsApp somente com nós três. Na mesma hora, Gabriela excluiu o grupo. Compartilhamos o mesmo gene de inteligência, afinal.

***

Quando chego na sala de casa com minha mala azul, estampada por mim mesma com as máscaras que são o símbolo do Teatro, painho já botou toda a conversa em dia com Gabriela. Veio nos buscar para as festividades. Está sentado no sofá, usando um gorro de Natal vergonhoso e tem um embrulho prateado a seu lado.

— Marieta, minha filha! Como você cresceu! – ele abre os braços e vejo lágrimas em seus olhos.

Meus muros desabam na hora, como se não tivessem sido construídos com cimento, e só quero apertá-lo bem forte e pedir que tudo volte a ser como antes. Mas não deixo que perceba que meus olhos também estão marejados.

— Pai! – eu o recrimino. – Se você ficar repetindo esse nome, alguém pode ouvir!

Ele dá uma risadinha e se desculpa. Sabe que odeio meu nome e faço de tudo para escondê-lo. Brega elevado ao infinito!

Estende o pacote em minha direção e vejo que Gabriela já está dando voltas com um vestido novo em frente ao corpo. Mainha apenas observa a cena, sorrindo para nós. Conversa com meu pai como se ele fosse qualquer outra visita. "Ei! Ele foi o cara que te trocou por aquela nojenta!", eu penso, estreitando os olhos e balançando a cabeça enquanto rasgo o embrulho em doze mil pedaços.

Doze mil não é o número exato em que picotei o papel, mas aprendi a usar um pouco de exagero com Nicole. Ela é muito dramática, porém nunca lhe disse essas palavras, já que teria que ouvir um discurso inflamado de como estou errada acerca de sua personalidade.

Tenho uma caixa de sapatos em mãos e estou torcendo para que o calçado não seja 3 números menor que meu pé, como o tênis que ele me mandou no aniversário. Ninguém gosta de trocar presentes e os vendedores nunca são simpáticos.

Ao levantar a tampa, diante de meus olhos está o par de sandálias mais lindo que já vi! É dourado, com strass rosado enfeitando as tiras que cobrem os dedos e outras longas, que devem cruzar os tornozelos e terminar no meio da perna. Sandálias altas.

— Uau! – é tudo que digo, hipnotizada pelo brilho das pedrinhas.

Mesmo que essa coisa glamourosa não combine nada comigo, salto é uma coisa que seus pais só te dão quando percebem que você cresceu. E o presente combina em tudo com meu plano. Além disso, cabe direitinho em mim!

Estaria incomodada se não soubesse andar, mas desde os 6 anos uso secretamente os sapatos da minha mãe quando quero imitar as atrizes nas cenas das novelas. A maquiagem dela também sofreu nesses anos todos por causa disso. Tirando estes momentos, prefiro meu AllStars e um jeans qualquer.

— Que bom que gostou. O meu presente está te esperando lá em Campina. Este, Larissa escolheu especialmente para você.

Ah. Ele tinha que estragar tudo.

De toda forma, mainha também me fez escolher algo especialmente para minha madrasta, o que nos deixará quites. E a talzinha possuía algo que eu não poderia chamar de outra coisa senão maravilhoso. Um filho de 15 anos.

A VIAGEM DE MARIWhere stories live. Discover now