Capítulo 1 - Amizades Perigosas

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Maria pega o celular de cima da cama, assustada:

- Caramba! Sete horas! - disse, agarrando a mochila pesada.

Desceu as escadas correndo, teria quinze minutos para fazer um percurso que normalmente levaria o dobro de tempo.

- Tchau, mãe! - grita, batendo a porta.

Um "tchau" abafado foi ouvido antes que Maria chegasse à rua. O safado do irmão saiu de fininho, sem alertá-la do adiantado da hora.

"Ele vai ver só", praguejou, "vou comer todas as balas dele assim que chegar em casa!".

O vício de Rico. Balas de morango, de uma marca importada. As guardava embaixo da cama, escondidas entre os tênis puídos e os carrinhos de controle remoto. Torcia para que Maria não encontrasse.

Quando a irmã queria puni-lo descobria o esconderijo, se livrando das balas, uma a uma. Isso deixava Rico possesso, enchendo os ouvidos da mãe com acusações. Maria negava tudo e dizia que provavelmente um dos ratos que habitavam o quarto do irmão fez o serviço.

Andava em passos largos, cansada pelo material que carregava. Era dia de educação física. Maria optou pela natação, o que a obrigava a levar todo o apetrecho necessário. Óculos, maiô e toalha dividiam espaço com as apostilas, o penal, fones de ouvido. Por sorte morava próximo ao colégio, facilitando a falta de carro.

A mãe pagava com dificuldade o bom colégio em que Maria e  Rico estudavam, inviabilizando arcar com custos desnecessários como o de um automóvel. O pai faleceu há muitos anos e a mãe assumiu os dois papéis. Maria lembrava pouco dele. Cenas de passeios no parque, sorvetes derramados e risos ocupavam as memórias daquele que a mãe descrevia como alguém importante.

Não podia dizer que sentia falta do pai. Estava acostumada com a família que tinha. Apesar das desavenças, eram unidos e a mãe desempenhava muito bem a função de provedora. Ensinava a valorizar o que possuíam e a ajudar nos afazeres domésticos.

Maria torcia para que a mãe esquecesse dela após o almoço, quando a louça pedia para ser lavada. Fugia quando podia, mas a voz insistente desta chamava à realidade. Às vezes queria ter uma vida como a de Morgana, cercada de criados.

Adivinhando os pensamentos, a amiga apareceu:

- Oi, quer uma carona? - disse Morgana, abrindo a porta do carro, onde se avista o motorista sorridente.

- Aceito sim, obrigada! - respondeu Maria, aliviada.

Morgana era uma boa amiga, estranha, mas presente. Tinha um jeito melancólico de ser, pessimista a maioria das vezes. Usava os cabelos lambidos na cara, meio curtos, e muitos brincos na orelha. A maquiagem pesada em volta dos olhos mal podia ser percebida, tendo em vista os grossos fios negros que cobriam parte do rosto. Costumava enfrentar a diretora, usando os mais diferentes acessórios para ir às aulas. Hoje mostrava seus coturnos militares.

- E aí, gostou? - perguntou Morgana, levantando os pés.

Maria riu, balançando a cabeça:

- Você não tem jeito! A diretora vai te chamar outra vez!

Em um balançar de ombros desinteressado Morgana assentiu:

- Tudo bem, duvido ela achar o meu pai para reclamar.

Um executivo importante o pai de Morgana, dividido entre reuniões e viagens ao redor do mundo. Via a filha somente aos fins de semana, e de forma rápida, entre as voltas de iate e uma festa im-per-dí-vel.

- Ele deve estar na China, ou nos Estados Unidos, não sei - completou, em um tom baixo.

Um silêncio incômodo se fez, quebrado pelo motorista:

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