Capítulo 1 - Amizades Perigosas

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Um cheiro insuportável: Jiló podre, gambá e gato molhado. O chulé do irmão não tem comparação.

- Rico, leva essa coisa para a lavanderia! - grita Maria, segurando um par de meias com as pontas dos dedos. A outra mão ocupada em tapar o nariz, evitando que o odor impregnasse o cérebro.

No sofá o menino joga seu vídeo game portátil, alheio a qualquer comentário. Levanta os olhos, conferindo o rosto da irmã, avermelhado pela raiva.

- Ah, mana! Depois eu faço isso - disse, virando para o lado.

Era o fim. Lá estava o irmão, um guri folgado recém-feitos onze anos. Sempre às voltas com novidades eletrônicas.

- Américo, sai logo daí ou eu vou chamar a mamãe! Lembra que ela pediu ontem para você se livrar dessas meias do jogo de basquete?

Foi suficiente para o menino pular alguns metros.

- Ninguém me chama de Américo! É Rico, Ri-co! - exclama alterado.

A mãe tinha talento para nomes diferentes. Felizmente abençoou a filha mais velha com um nome comum.  Rico não teve a mesma sorte.

- Américo do Sul! Não me faça descer aí! - surgiu a voz da mãe, ecoando pelo corredor superior.

Contrariado, largou o vídeo game em um canto, resolvendo dar conta do objeto mal cheiroso. Puxou as meias, acomodando no bolso.

- Um porco, definitivamente um porco - deduziu a irmã.

Maria subiu as escadas, desistindo de entender em que momento a mãe errou na  educação do irmão. Faltava pouco para o início da primeira aula. Caso atrasasse ouviria a irritante dona Ana, bedel do colégio, com seus sermões intermináveis sobre "os jovens de hoje em dia".

Prendeu os cabelos revoltos em um rabo alto, evitando se incomodar. Olha o espelho, desanimada. Alisa a blusa do uniforme. Gostaria que seus seios crescessem um pouco mais. Tinha catorze anos, idade suficiente para um sutiã 40. A envergonhava entrar nas lojas e suplicar por um mísero 36. Magra demais, baixa demais. Maria tinha dificuldade em aceitar o que a genética decretou.

Às vezes preenchia os espaços vazios do sutiã com bolinhas de papel, rezando para que estas não resolvessem saltar para fora, na frente de um menino interessante. Seria bom ter um corpo adulto, como o de Patrícia, uma de suas amigas de sala. Pescoços entortavam quando ela passava. Até o uniforme horroroso cor de abóbora do colégio ressaltava as curvas perfeitas. Em Maria soava como um saco disforme, contribuindo para evidenciar a falta de recheio.

Claro que Patrícia chamava atenção, senão pelo corpo, com certeza pelos cabelos loiros bem arrumados e os grandes olhos azuis.

"Uma boneca", conclui.

A beleza da amiga poderia ser irritante, mas seu jeito meigo e alienado a fazia uma pessoa muito querida. Patrícia era a última a entender as piadas, inclusive as óbvias. Tinha dificuldade nas matérias difíceis e costumava recorrer à Camila, a inteligente da turma. Esta a salvou de muitas notas ruins, com seu comportamento prestativo, ensinando calmamente todos os pontos da lição. 

O rosto de Camila surgiu na mente de Maria. Desejava que a amiga estivesse melhor nesta manhã. Não gostava de vê-la triste pelas constantes brigas dos pais. Estavam se separando, fazia um ano. Ainda dividiam o mesmo teto e usavam a filha em suas discussões prolongadas.

Isso deixava Camila ansiosa, procurando refúgio na comida. Aumentou vários quilos desde que tudo começou. Nunca falou sobre isso com a amiga, mas a mochila repleta de chocolates e bolachas denunciava o novo hábito.

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