Vergonha

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Joana podia ver o brilho nos olhos duros da líder do Parlamento, cuja língua umedecia os lábios, só então se descobrindo secos. Deixou de olhar fixamente para ela ao pensar que alguém poderia perceber.

--- Então vencemos... --- Comentou a mestra, escorada na poltrona com o ombro esquerdo mais alto que o direito.

--- Sim. Chegamos ao mesmo tempo que a frota de Al-u-een e conseguimos impedir que eles invadissem Rouneen.

O general da marinha da cidade trouxera aquela mensagem ao Parlamento. Seu corpo robusto --- pescoço, braços e pernas grossos como troncos de árvore --- fazia a capa negra que vestia parecer apertada, os botões aguentando a pressão do peito amplo com dificuldade. Ele, contudo, falava com tranquilidade e, de mãos para trás e sobrancelhas levemente voltadas para cima, parecia completamente à vontade.

--- Quanto tempo até que as tropas de terra cheguem a Karment-u-een? --- Perguntou uma parlamentar numa cadeira no andar térreo, do mesmo lado que os filinorfos.

--- Não sei ao certo, mas a estimativa da ação desde a saída das tropas sempre foi o dia treze. Isso não deve ter mudado.

A mestra concordou mais uma vez, seu bom humor se expressando de maneira muito similar ao cinismo que compunha seu tom habitual.

Quatro dias depois do fracasso da execução de Anabel, precisavam de notícias boas vindas da guerra. Não demoraria muito para que os preculgos entrassem em ação de novo, espalhando a boa nova e enterrando de vez a memória recente da prisioneira que encontrou um jeito de escapar à punição: cometeu suicídio dentro da cela. E é claro que ninguém poderia ver o corpo.

Joana ainda balançava a cabeça quando escorregou discretamente para o lado.

--- André... --- Sussurrou. --- Como é Rouneen?

Ele virou o rosto para ela levemente, fazendo beiço.

--- Não sei.

--- Pergunta pra Luana do teu lado...

A mestra agradeceu a presença do general e o dispensou, dizendo que logo deliberariam quanto ao que fazer a seguir. Joana ajeitou-se na posição assim que ela recomeçou a falar.

--- Concedo a palavra aos magos de Roun-u-joss.

Joana engoliu ao mesmo tempo em que levantava. Começou a se movimentar para ir até o centro da arena.

--- Não, fale de onde está. --- Ordenou a mestra, a voz serena num rosto severo.

Joana sentiu em parte raiva por receber ordens da espólica, noutra parte alegria por ver que o plano seguia bem.

Afinal, falar de sua posição significava que não eram mais apenas visitantes.

Sentou-se, procurando um ponto de apoio para onde olhar na multidão de faces. Havia muitas, já que mesmo as do próprio lado da sala se viravam para olhá-la diretamente.

--- Gostaríamos de saber, eu e os meus companheiros de Roun-u-joss, qual foi a decisão de vocês.

Joana concentrou-se, sem um porquê, num único rosto logo abaixo de si. O político tinha feições longas e pálidas, com o cabelo arrepiado quase roxo de tão escuro. Depois de girar os olhos mecanicamente para longe da maga, foi-se também o rosto inteiro e por fim o corpo, distanciando-se, num prelúdio sintético ao que o silêncio prolongado já dizia, de qualquer compromisso com o que quer que viesse em seguida.

--- Nós debatemos o assunto, na verdade, e... --- Começou a mestra, juntando e separando as mãos conforme se explicava. Joana voltou a olhar para ela. --- na situação atual, levando em conta a guerra, o melhor a fazer é esperar.

A Guerra da UniãoWhere stories live. Discover now