Meu pai é um homem frio, mas, apesar disso, tenta sempre mostrar o contrário ao povo. A rainha adora festas, e o rei vê nelas uma oportunidade de "presentear" os príncipes e princesas. Ele organiza bailes reais para seus filhos, com a intenção de mascarar seus verdadeiros sentimentos por nós. Dessa vez, seu objetivo é apresentar oficialmente o príncipe Lucien aos nobres como membro da corte.

— O segundo príncipe está muito contente hoje. Até pediu para se banhar sozinho.

— A criança está realmente animada. Incomodou meu pai durante todo o tempo.

Lucien pode ser muito insistente quando quer. Meses atrás, meu pai prometeu que faria esse baile para ele, e desde então meu irmão não fala de outra coisa.

— Senhorita, eu terminei. Em alguns minutos, Gwendolyn virá ajudá-la com o banho. — Na corte, cada princesa possui três aias, ou damas de companhia. Eu, como princesa herdeira, tenho cinco. Lethia é a única com permissão do rei para tocar no meu cabelo. — Mas ela não é a única realmente — Gwendolyn é a dama de companhia mais nova e minha mais íntima. Minha única amiga.

Quando Lethia abre a porta, uma figura peluda passa correndo entre suas pernas, quase a derrubando. Ela teria caído se não tivesse se segurado na maçaneta prateada. Quando a bola de pelos para de correr, tenta subir na cama enorme.

— Locke, desse jeito você vai rasgar os lençóis. De novo.

Estava sentada à penteadeira e me levanto para pegar o gato.

— Pronto. Não precisa derrubar a Lethia para entrar.

— Por Hespperia, sua alteza, seu animal às vezes é verdadeiramente selvagem... Pela Mãe.

Lethia é muito religiosa. Está sempre rezando para Hespperia, Deusa da Vida. A dama tem trinta e quatro anos, mas às vezes age como se tivesse setenta e dois. Se soubesse quantas regras quebrei, acho que não olharia mais na minha cara.

— Ora, Lethia, ele é um gato das montanhas. Filhote, mas sua natureza é ser assim. Selvagem.

Encontrei Locke quando ainda era recém-nascido, meses atrás. Eu estava em uma caçada com os homens do meu pai quando encontramos uma velha aldeia nas montanhas. Estava destruída e queimada. Embaixo dos escombros, havia um gato selvagem enorme cobrindo alguns corpinhos menores. Suponho que fossem sua família. Talvez a mãe e seus filhotes. Nesse dia, me aproximei e vi que todos estavam mortos. Ao me levantar para ir embora, ouvi um miado alto e senti algo arranhar minhas pernas. Era Locke, quase berrando para que eu o pegasse. Um gatinho minúsculo, com pelagem preta, um olho dourado e o outro verde, bigodes longos e uma patinha quebrada.

— Eu entendo, senhorita, mas acho que a rainha não vai gostar se Locke rasgar os lençóis novamente. — Dito isso, Lethia deixa meus aposentos e vai embora.

— Tudo bem. Agora somos só eu e você.

Encaro o gato, e ele me encara de volta, como se dissesse "Sim". Esse animal é estranho às vezes.

— Sabe, eu não queria ir ao baile. Acho desnecessário. Mas se meu pai quer continuar fingindo que é um bom rei e um pai ainda melhor, tudo bem. Uma hora as pessoas vão descobrir a verdade por si mesmas.

Minha mãe sempre me dizia que as pessoas usam máscaras todos os dias. Algumas, inclusive, acreditam tanto na própria mentira que esquecem quem realmente são. Mas, de alguma forma, essas máscaras sempre caem. E, quando isso acontece, aqueles que estavam ao redor são obrigados a encarar a verdadeira face do farsante.

•𝕷𝖆𝖌𝖗𝖎𝖒𝖆𝖘 𝕼𝖚𝖊 𝕼𝖚𝖊𝖎𝖒𝖆𝖒•Where stories live. Discover now