͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏͏ ͏ ͏ ͏ ͏𝗉𝗋𝗈𝗅𝗈𝗀𝗎𝖾

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Então, veio um segundo choque, ainda mais forte.

Foi como se algo enorme tivesse empurrado seu corpo por dentro, mais forte, mais rápido, roubando todo o ar de uma vez. As imagens explodiram na sua cabeça, bagunçadas demais para virar sonho ou lembrança. Tudo ficou branco, depois vermelho, depois nada. Ela tentou gritar, mas a voz não saiu. O corpo sacudiu sozinho, como se não fosse mais dela, e o medo cresceu tão grande que não cabia no peito. Ardeu, tremeu, doeu de um jeito diferente do primeiro, como se tivesse ido mais fundo.

Por um instante, ela esqueceu onde estava. Esqueceu a sala, a maca, até o nome que não podia usar. Só pensou que aquilo não ia parar nunca. Que talvez aquele fosse o castigo por não ter sido boa o suficiente. E mais flashes vieram sem aviso.

Primeiro, vê o laboratório. Sua casa.

É o mesmo lugar, ela sabe disso antes mesmo de pensar. O chão, as paredes, o jeito comprido dos corredores. Mas tudo está errado. As luzes não são brancas, são vermelhas, piscando sem parar, machucando os olhos. Alarmes gritam alto demais, como se o prédio inteiro estivesse com dor. As portas estão abertas à força, tortas, algumas caídas no chão, como se alguém muito bravo tivesse passado por ali.

O medo foi a primeira coisa a alcançá-la, vindo antes mesmo do entendimento, seguido por uma confusão simples, infantil. Que tipo de monstro faria algo assim? Mas monstros não existiam. Então como...

Antes que qualquer outra pergunta pudesse se formar, os corpos surgiram.

Guardas no chão, parados de um jeito estranho, como bonecos largados. Médicos caídos perto das paredes, jalecos sujos, sem se mexer. E crianças. Crianças como ela. Pequenas demais para estarem ali, espalhadas pelo corredor. Ela vê mãos imóveis, abertas, como se tivessem tentado segurar alguma coisa e não conseguiram. Seus olhos... Esperando vê-los vazios, sem vida, nem sequer existiam mais. Eram apenas buracos com sangue. Não há gritos. Não há choro. Só um silêncio pesado, errado, mesmo com os alarmes berrando.

Um sentimento de que algo passou por ali cresce dentro dela, pesado demais para virar imagem direito. Aquilo não parece coisa de gente e essa certeza vem antes de qualquer pensamento, apertando o peito dela até ficar difícil respirar. Não é humano. Não conhece essa palavra, não sabe como explicar, mas sente do mesmo jeito que sente frio ou medo: ninguém normal poderia ter feito aquilo. Não foi raiva comum, nem força comum. Foi algo errado, algo que não devia existir ali. Vai além dos monstros em seus pesadelos. Além do monstro sem rosto.

A visão então desacelera, como se o tempo estivesse cansado.

No fim do corredor, há uma garotinha sozinha. Pequena demais para aquele lugar grande e destruído. A cabeça raspada, igual à dela. Os olhos grandes, parados, olhando para frente sem chorar. Há sangue nas roupas, nas mãos, no chão ao redor, abaixo de seus olhos, mas não parece ser dela. Parece sangue que ficou, que sobrou, que não teve para onde ir. A criança não se mexe. Só está ali, respirando de forma ofegante, como se tudo aquilo fosse normal.

Ela reconhece aquela garotinha do mesmo jeito que reconheceu o laboratório: antes de entender, antes de pensar. O medo vem misturado com algo pior, confuso demais para ter nome. É como ela... mas não é. É alguém que parece com ela de um jeito errado, quebrado. E, se tudo aquilo aconteceu, se o corredor virou aquilo, então aquela criança só pode ser a responsável. Só pode. Mas isso não faz sentido. Crianças não fazem aquilo. Crianças se escondem no escuro, contam luzes no teto, brincam na sala do arco-íris.

O grito rasgou a sala antes mesmo que percebam que algo deu errado.

Seus olhos verdes abriram com certa dificuldade, mas tinha medo de fechá-los e voltar para o corredor da morte. Não é um grito alto no começo, é fino, quebrado, como se tivesse nascido preso dentro do peito pequeno demais para segurá-lo. O corpo da garota se contrai sobre a maca, as mãos se fecham com tanta força que os dedos doem, e o som cresce de repente, descontrolado, assustador até para quem já achava que tinha visto de tudo.

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⏰ Last updated: 5 days ago ⏰

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𝗕𝗢𝗬𝗦 𝗗𝗢𝗡'𝗧 𝗖𝗥𝗬  :  𝗌𝗍𝗋𝖺𝗇𝗀𝖾𝗋 𝗍𝗁𝗂𝗇𝗀𝗌 𝖿𝖺𝗇𝖿𝗂𝖼 ੭ Where stories live. Discover now