Capítulo 6

109 58 48
                                    

Já estávamos jantando e mortos de fome. Eu passei a tarde inteira revendo as posições com uma espada emprestada já que nós, alunos, ainda não têm a própria.

Agradeço constantemente aos deuses que amanhã passaremos pela vila Cobalto Spíti, o que significa que eu poderei comprar minha própria arma.

- Vocês não acreditam no que minha mãe mandou. – Reclama Cassandra, mostrando uma carta.

- O que tem escrito? – Pergunta o gêmeo.

- Eles querem fazer uma festa ou baile e quiseram convidar vocês também. – Olhamos uns aos outros estranhando. Seus pais não são preconceituosos com os desafortunados, mas fazem parte de uma hierarquia política bem favorecida para eles.

- E para que um baile? – Questiono curiosa.

- Aparentemente, "para celebrarmos os dias de paz que há entre os reinos". Isso é desculpa para pessoas ricas! Como se eu caísse nisso, eles só querem ostentar. – Sebastian fala ironicamente ao pegar a sofisticada carta das mãos de Cass.

- Tanto faz, meu pai disse que lá haverá pessoas importantes, inclusive o rei. Então, não façam besteira, por favor! – Todos olham para Leo que ainda está comendo. É bem autoexplicativo.

- E para irmos à essa festa, precisaremos de vestidos! – Aylin afina a voz e nos contagia, fazendo com que todos rissem e olhassem uns aos outros.

- Mas quando vai acontecer?

- Amanhã. – Responde Leonid alheio.

- Amanhã?? Mas eu não sei dançar! Qual é o garfo da sobremesa? Tem faca para sobremesa também? – Quase surto ali mesmo.

- Calma, calma. Na hora eu te ajudo. Sentaremos na mesma mesa e meus pais já pediram permissão para o senhor Bakdaro para que possamos ir. – Cass assegurou. Me acalmo e deixo a conversa rolar.

Com o passar do tempo, sinto-me um pouco cansada e decido ir dormir.

- Eu já vou pessoal. Boa noite.

- Boa noite. – Todos respondem em uníssono.

No fundo, escuto um grito das meninas dizendo que daqui a pouco elas chegariam no quarto.

Quando eu estava prestes a abrir a porta do dormitório, subitamente escuto uma voz me chamar.

- Heliodora. – Eu sei quem é, não preciso nem me virar. Conheço o cheiro dele e como a sua voz rouca e ignorante se direciona a mim. O fato de eu saber exatamente quem é, me mata.

E eu odeio isso, odeio ele.

- O que você quer, Adrastus? – Olho para o príncipe como se estivesse entediada com a sua presença.

- Esse não é ponto da conversa, mas pela milésima vez, quem você acha que é para me tratar assim? Não passa de uma qualquer, você nunca chegaria perto de meu nível para sequer se dirigir a mim, mesmo com as palavras mais doces do mundo. Ouviu?

- Como se você não passasse de um príncipe mimado que não liga para ninguém, só porque o papai não te dá atenção o suficiente, já que ele também não se importa com ninguém a não ser a sua mãe? – Pesado. O clima pesa uma tonelada a mais do que o peso que Atlas carregava. E esse peso quase me afoga e amassa. A mãe dele já está morta. A doce e gentil rainha Thalassia Amora Aetheris morreu. E eu trouxe seu nome junto de uma frase áspera e inútil.

- Vai se foder. – Sinto a raiva e ira em seu olhar, seus olhos me espetam e eu sangro, enquanto meu sangue suja todo o chão de culpa por tocar nesse assunto.

Ele pode ser ridículo quando quer, mas falar de sua mãe, a rainha, é pior ainda. Ela era a reencarnação do bem em pessoa, eu queria ser como ela, mas acho que não posso. Acho que nunca vou poder ser.

- Vai se foder também! – Grito de volta quando o vejo virar de costas para mim e sair andando como se nada tivesse acontecido. Quase penso que ele teria a coragem de voltar aqui para me sufocar e me matar de uma vez.

- Com quem você está falando? – Pergunta Cass ao aparecer pelo outro corredor junto de Aylin. Ambas me encarando como se eu estivesse louca. O que não é totalmente errado.

- Er... eu estava só treinando para a aula de teatro.

- E esse tipo de frase apareceria numa peça? Da escola? – Questiona novamente.

- É uma longa história. – Explico para me livrar de perguntas.

- Aham. – Aylin fala devagar balançando a cabeça de cima a baixo.

Depois da anterior situação constrangedora, fui direto ao banheiro e fiz minhas higienes pessoais para que finalmente eu pudesse dormir tranquila sem me importar com a leve briga que tive com o príncipe.

Eu não deveria me importar com isso, já que de manhã iria para a famosa e esperada vila Cobalto Spíti. Outro nome nada fácil de ser recordado, mas com o tempo e a esquisitice mágica do local, você acaba se acostumando.

No dia seguinte, como sempre, sou eu quem acordo primeiro para seguir o horário corretamente e assim conseguiremos nos organizar melhor. Já estava me vestindo, quando quase esqueço de trazer minha bolsa comigo. É questão de vida ou morte, meu dinheiro está dentro do infinito acessório.

- Vamos, Cassandra! – Eu e Aylin gritamos ao ver que ela estava se calçando, quase pronta. Apenas, queríamos cutucar sua paciência, é como se fosse nossa linguagem do amor.

- Calma aí, suas desempregadas! – Grita de volta. Esta é realmente uma ótima maneira de começar o dia.

Posteriormente, nos encontramos com os meninos e comemos nossa refeição matinal, para que minutos depois sejamos chamados para irmos à vila. Hoje, é sábado, então não teríamos aula em nenhuma parte do dia.

- Por aqui, gente! – Fala Aylin assim parecendo uma sem-noção assim que vê inúmeras lojas.

- Uh, uma loja de doces! – Comemora Sebastian.

- Mas e aí, Seb. Alguma novidade sobre o seu misterioso colega de quarto?

- E pensar que eu tinha me esquecido dele. Na verdade, ele até agora não deu as caras, nem dormiu na própria cama.

- Mas você já sabe o nome dele?

- Não – Fala como se não fosse nada.

- Bom, você poderia perguntar informações ao diretos. – Aconselho.

- E passar vergonha? Só se for com você. – Ele muda sua feição de nojo falso para um sorriso. Eu apenas reviro meus olhos.

No decorrer do tempo, todos nós conversamos e compramos doces. Tive até que salvar dinheiro para que eu pudesse comprar a espada tão desejada por mim. Desenhada e produzida por famosos ferreiros. Todos queriam, mas eu tinha que tê-la.

Assim que vejo um enorme movimento de pessoas percebo que tenho de ir àquela loja. Então, eu corro e corro até abrir a porta ofegante e ouvir o batido do sino, alertando ao dono que ele tem um novo cliente à espera: eu.

- Com licença, vocês por acaso têm a Candens Luceat? – Falo sem ar me referindo ao objeto brilhante e afiado, mas fico ainda mais confusa quando escuto outra voz falar junto da minha.


Memórias vingativasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora