Prólogo

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Ele piscou para mim com simpáticos olhos azuis que combinavam demais com seu cabelo loiro, a pele vermelha pela bebida e calor completavam a aparência.

Pronto para fazer a pergunta que toda garota no morro espera ouvir.

- Bora descer? – seu sotaque forte me fez arrepiar.

O convite, aparentemente casual, era mais que uma oportunidade de dar uma volta na orla da praia e tomar um açaí. Quando um homem daquele porte e instrução te convida para descer o morro, significa que você tem uma chance de melhorar de vida.

Me convenci de que tinha cansado de dançar em frente ao carro com porta-malas aberto e som alto estourando as caixas de som com luzes neon, quando o baile mal tinha começado, normalmente ficava bem cheio depois da meia noite, horário que eu deveria estar em casa e nunca estava.

Subi na garupa da moto me sentindo adulta, mesmo que meus seios pré-adolescentes doessem sob o cropped de frente única ao abraçar Brian, como ele se apresentou, senti um frio na barriga que se intensificou com o barulho de motor.

O gringo desceu por ruas pavimentadas e rampas que nem eu, moradora do Morro da Barra desde que nasci, conhecia. Ganhamos a avenida do lado de baixo, parecia outra cidade, em torno da orla, as luzes led eram claras demais e dei graças a Deus por não ter esquecido a lupa.

Brian levantou a viseira, acariciou minha panturrilha e gritou para que eu ouvisse.

- Vamos encontrar uns amigos – entendi acima do seu sotaque e do barulho.

Eu apenas concordei, Brian corria, o vento deixava minhas pernas e mãos geladas, eu apertava sua cintura e colava meu rosto na sua camisa a fim de espantar o frio. É difícil saber quanto percorremos, com aquela velocidade e sem pegar trânsito ou farol, poderia ter cruzado o estado ou até saído dele em questão de uma hora.

Perdi um tempo valioso sonhando com a vida de modelo que ele tinha me prometido dizendo que eu era bonita demais para aquele lugar, ele falou em passarelas, Paris, Diór. Quando dei por mim, fazia alguns minutos que rodávamos por um bairro industrial completamente vazio, até as luzes ficavam dentro dos muros altos e nem todos os postes seguiam acesos, entramos em uma rua de terra na lateral de uma fábrica imensa.

- Que lugar é esse?

- Vamos encontrar uns amigos – sua voz pareceu estranha, como se fosse outra pessoa falando.

- Não sei, quero voltar.

- Achei que queria o book – ele tirou o capacete e olhou por cima do ombro, seus olhos não eram mais tão simpáticos.

Nos aproximamos de um carro com farol aceso, eu estava nervosa, mas não disse nada, não queria parecer uma criança, quando desci da moto, percebi mais duas garotas descendo do carro, uma eu conhecia. Sorri para ela.

Brian me mandou esperar, e foi ter com o outro cara. Me aproximei das meninas a fim de ficar mais tranquila.

- Oi, nossa, nem acredito que encontrei alguém conhecido – sorri aliviada.

- É, ele falou do book?

- Falou sim.

Nenhuma de nós ali, tínhamos cara ou corpo de modelo. Só por isso já deveríamos saber que nossa carona tinha outro propósito, mas sonhos nunca parecem impossíveis quando se é adolescente.

- Eu sei lá – Brenda, a menina que eu conhecia da escola tirou o vape da boca soltando muita fumaça – eu fiz um book quando era criança, pararam minha mãe em uma rua do centro, no Natal, disseram que iriam me agenciar, na real era tudo mentira. Pra pegar as fotos eu tinha que pagar.

- E você veio mesmo assim?

- Ah, eles são americanos, não vão chorar por uns reais quando têm vários dólares – a menina que acompanhava riu alto, um dos caras encostados na traseira do outro carro olhou de cara feia para ela.

- Brian é inglês, não americano – expliquei como se fizesse diferença.

Ouvimos mais um veículo chegando, mas só percebemos que se tratava de uma van branca quando já estava bem perto, meu corpo todo ficou tenso.

- Quem você acha que é? – perguntei em um sussurro.

- Sei lá, deve ser as câmeras e essas coisas.

Brenda não parecia ter muita convicção, sua voz estava trêmula como a minha, no fundo nós duas queríamos acreditar que ainda era verdade, que os gringos gostaram de nós depois de alguns beijos com gosto de vodka e nos fariam modelos ou atrizes famosas no mundo todo.

Dois homens saíram da van, ignorando totalmente nossa presença. Eles estavam bem vestidos, não usavam ternos e essas coisas, embora o relógio de um deles parecesse custar mais que uma casa. Os outros vieram cumprimentar.

- São essas? – fomos apontadas.

- Por enquanto sim – Brian respondeu sem sotaque algum.

Eu fiquei quieta, já tinha percebido que o cara que trouxe Brenda também não falava mais com sotaque, só que não tinha o que fazer, continuamos ali, paradas como carnes penduradas no açougue.

- Querem avaliar? – Brian perguntou com um sorriso maldoso.

Um dos homens da van deu alguns passos na minha direção, senti um calafrio de frio e medo, ele apertou o bico do meu peito, doeu tanto que meus olhos lacrimejaram na hora, fechei os braços no corpo afastando sua mão e tentei correr, o golpe veio sem aviso, seu relógio bateu com força na minha sobrancelha, atingindo meu rosto com toda força, caí de joelhos e sob a luz dos faróis vi gotas de sangue caírem no chão de terra.

- Que merda, Junior. Precisamos delas pra hoje – o outro homem da van gritou.

- Vai curar rápido – ele retrucou.

- Não o suficiente.

- Ah, não enche a porra do meu saco, essa aí além de feia é magrela, ninguém ia pagar por ela.

O sapato chique do homem passou de um lado para o outro na minha frente, minha cabeça doía absurdamente, minha visão estava turva e vermelha.

- Não vamos levar essa aí, as outras, pra van. Agora.

Nenhuma delas queria levar um soco como o que eu levei, mesmo assustadas e receosas, com a certeza de que estavam indo para a forca, Brenda e a amiga entraram no veículo e a porta foi fechada. Os dois homens entraram na van e seguiram para fazer o retorno.

Foram alguns segundos de alívio para mim, eles não me queriam para o que quer que fosse, Brian me levaria de volta ou me deixaria ali, sinceramente, eu ficaria grata com a segunda opção, mas ao invés disso, senti algo frio e duro encostando na minha nuca e o som ensurdecedor do disparo. Rápido e eficiente.

Levou apenas alguns segundos, ainda assim, meu destino foi infinitamente melhor que o das duas jovens me olhando pelo vidro enquanto a van se afastava.

Para mim, a história termina aqui, mas para você, leitor. É onde começa.

Meninas do MorroWhere stories live. Discover now