Ondas em mim

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Há um lugar na praia onde o mar encontra a terra e os dois se misturam. Marcel estava lá.

Aquele mundo era totalmente novo para Marcel e isso o deixava com um sorriso tão largo no rosto que era impossível não ser percebido. Mudara-se com seus pais para aquela cidadezinha litorânea pouco conhecida, mas bastante próspera, conseguira o emprego de assistente na biblioteca municipal - inclusive pagava bem - e fazia um aulas noturnas de natação. Marcel ama, entre outras coisas, nadar.

-Pronto, querido? - indagou sua mãe, terminando de dobrar suas roupas, enquanto Marcel abotoava sua camisa. Estava animado, tão animado que poderia explodir de emoção, explodir da mais pura alegria por ir trabalhar. 

Finalmente sua vida estava se transformando naquilo que realmente queria: seria um homem de fato, com responsabilidades e compromissos sociais, seria finalmente aceito como deveria ser. Olhou-se no espelho e sorriu com ainda mais alegria por se ver naquelas roupas de trabalho. Com pouco quase 21 anos, desde os 12 passando pela mudança, Marcel sentia que agora sua vida estava começando de fato.

-Eu estou tão animado, mãe! - ele disse, pegando sua valise e seguindo para a cozinha na companhia da mulher de cabelos castanhos. - Quero dizer… Tenho um emprego agora, meus documentos já chegaram, estamos numa cidade completamente diferente e eu estou com um bom pressentimento!

-Isso é ótimo, Marcel. Eu disse ao seu pai que essa cidade seria ótima, principalmente por causa do trabalho no centro e para você. - ela serviu o café da manhã do rapaz e sorriu para o apetite voraz que lhe era tão costumeiro. - Espero que você se saia bem no seu emprego, querido. - ela lhe entregou a marmita do almoço.

-Obrigado, mãe. Até mais tarde. - Marcel ergueu o celular. - Qualquer coisa me ligue. - Miriam assentiu e ele saiu da casa. 

Na rua, sorria e acenava para os poucos conhecidos que vira na primeira semana que chegara na cidade. Caminhava com segurança, de forma altiva, descendo a rua até o último quarteirão, onde virava à esquerda e seguia por mais três quarteirões até a biblioteca. Entrou, conversou com sua supervisora e ela lhe deu seu crachá.

Na semana anterior, treinara todas as manhãs, e todas as tardes para o ofício durante três dias, e agora ele assumiria o cargo de auxiliar de bibliotecária. O nome dela era Delfin e ela uma gentil mulher de 35 anos, com filhos e um marido em casa. Os olhos azuis acinzentados observavam-no por trás das lentes bem alinhadas ao seu rosto e o sorriso gentil adornado por um batom rosa claro deixava claro a felicidade de vê-lo trabalhando.

Delfin é boa amiga de Miriam e sabia de todos os obstáculos que Marcel passara para chegar até aquele ponto. Ajudara-o com as orientações necessárias e com a garantia do emprego na biblioteca. Ensinara-lhe o que fazer e como fazer. 

O rapaz começou a perceber que várias pessoas iam e vinham pelas grandes janelas do ambiente com o avançar das horas. A cidade acordava e isso o deixou feliz, porque parecia que sua nova vida também estava acordando junto com o lugar. Algumas meninas, vestidas de colegiais, lhe viam e sorriam de forma nervosa, quase tímida, e isso só massageava o seu ego. As coisas estavam se ajustando a cada minuto. Ele se sentia mais ele a cada segundo. Por estar vazio, Delfin se aproximou e fitou aquelas pessoas.

Era uma cidade pequena, litorânea e tinha uma característica que poucas cidades no mundo possuíam. Ali haviam muito mais que humanos, haviam os chamados sirenídeos ou sireneidas. As lendas são reais, sereias e tritões existem e vivem bem entre os humanos, uma vez que o governo apoia a coexistência de ambos. É uma história longa, bem longa, de séculos e séculos de vivência e de batalhas.

Marcel achava admirável a ideia de haver seres que podiam mudar a própria forma para viver em um ambiente novo. Eram praticamente metáforas da sua vida pessoal, das batalhas que travara e vencera. Difícil se adaptar e sobreviver, mas como os sirenídeos, Marcel conseguira e agora recebia suas recompensas.

Mater AquaOnde histórias criam vida. Descubra agora