8 - Fada madrinha milagrosa que aparece uma vez na vida e outra na morte (mamãe)

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30 de Janeiro

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30 de Janeiro


Comemorar o aniversário em um hospital é esquisito, principalmente quando você é uma visitante e a sua companhia parece estar se recuperando de uma crise ruim. Mas sendo sincera, acho que foi o aniversário mais caloroso da minha vida. Cassandra baixou um aplicativo idiota que simulava velas em um bolo, me fez apagar como se realmente fossem reais com música infantil de plano de fundo. Ela conversou comigo de um jeito baixinho, como se estivéssemos novamente uma do lado da outra em uma madrugada inquieta.

"Sério, você fez dezoito anos? Vai ganhar um carro?"

"Eu acho que meus pais vão me expulsar de casa agora que não são legalmente responsáveis por mim."

"Que droga. Infelizmente não posso te dar um abrigo temporário aqui, sabe, eu moro em um hospital. Mas boa sorte"

E a gente riu mesmo que talvez isso fosse um problema real. Quando o horário de visitas estava acabando, ela pegou o meu celular e me ajudou (enviou as mensagens sozinha) para o grupo com meus novos possíveis amigos. "Hoje é meu aniversário, vocês querem fazer algo amanhã ou depois?" e jogou a responsabilidade de responder as mensagens para mim. Também ganhei ganhei uma miniatura de alguma amiga da Moranguinho de cabelo azul que tem pelo menos dez anos e veio como brinde do Mc Lanche Feliz — a única coisa que encontrou presenteável na mochila.

Um presente bobo que eu segurei o caminho inteiro até em casa, mesmo que tenha sido com um nó no estômago.

Na última vez que a vi, me senti incomodada por ela ser tão animada e eu ser tão... assim. Mas agora, vejo por uma fração de tempo que está sendo um inferno para ela. Estar ali, presa no hospital enquanto espera morrer. E eu fui uma mentirosa ao agir com normalidade em relação a me aproximar de alguém como ela.

Tá, eu não conheço ninguém que morreu, mas morrer... Morrer de certa forma é ir embora, né? E minha vida está cheia de pessoas assim. Não é à toa que eu fui em um hospital justamente no meu aniversário.

Ficar sozinha em dias assim é um pesadelo. Eu sei, é por isso que a culpa me engole até eu abrir o portão de casa e encontrar um carro estranho na garagem. Girar as chaves e encontrar as luzes acesas. Reconhecer uma Prada preta que mamãe usa desde sempre, mesmo que ela tenha tantas que deixou algumas no guarda-roupa aqui de casa.

Vozes. Telefone. Olho a cozinha, em busca de onde vem o som, mas tudo que encontro é um bolo bentô de padaria em cima do balcão.

— Mãe? — a chamo, mas receio que seja uma ilusão.

Mas lá está ela, vindo da área externa, com a sua aparência de sempre — com um procedimento sutil e acolá — e os saltos altos (mesmo que ela já tenha 1,70 de altura). Foi dela que puxei os olhos verdes, a pele marrom-claro, o cabelo levemente cacheado e a miopia.

Camarão sem coração ⚢Where stories live. Discover now