Você não pode me obrigar a ir

5 1 0
                                    

É sexta-feira e eu não posso fingir que a semana está acabando, e finalmente vou poder descansar no final de semana. Isso se minha mãe não me colocar para fazer faxina na casa enquanto ela faz o mínimo. Sempre que eu suspeito que ela fará isso, invento que tenho encontro com meus amigos, e vou ao cinema, sozinha.

Ajeito meu uniforme branco com letras azuis no bolso com o nome do Super center onde trabalho. Respiro fundo e solto o ar, devagar, como quem prendeu o ar o suficiente.

Encontro minha mãe na cozinha. Ela está cantarolando uma dessas canções clássicas, de épocas em que eu nem tinha nascido ainda.

— O café está pronto. — Diz ela.

— Não vai dar tempo de tomar o café, mãe. Acordei atrasada.

— Eu te chamei, mas você sempre dorme pesado, feito uma pedra. — Retalha ela.

— O despertador não funcionou. Acho que preciso comprar um novo.

— Preciso conversar algo com você.

Minha mãe olha séria para mim, e se senta na cadeira. Isso geralmente significava duas coisas, o assunto era muito delicado e difícil, e que ela não está sendo fácil para ela me dizer. E quase posso julgá-la por isso.

— O que é? Aconteceu alguma coisa?

— Você precisa visitar seu pai.

— Mãe, já conversamos sobre isso.

— Dê uma chance a ele, El.

— Ele não nos deu uma chance, mãe. Por que eu daria? Se Mary Ann, Tito e Dylan quiseram dar essa chance a ele, é o direito deles. Assim como eu tenho o direito de não dar. — Insisti, elevando a voz mais do que realmente gostaria.

— Já faz muito anos, El. Está na hora de superar. Não pode passar a vida toda remoendo isso, só vai te deixar doente.

— Preciso ir, mãe. — Digo, tomando um gole rápido da xícara de café, que instantaneamente se tornou frio demais.

— El...

— Até mais tarde! — Dou-lhe um beijo em sua testa e me afasto, indo em direção da porta de saída.

Chego até a calçada e paro, tomando o ar, sentindo-me sufocada. Pego a bombinha do bolso da calça e aspiro todo o veneno que sou capaz, sentindo o gosto amargo e seco, sentindo meus pulmões arderem.

Eu ainda não consigo falar do passado, do meu pai, e de tudo que me afastou das pessoas que mais amo. Não consigo aceitar o rumo que a minha vida tomou depois de tudo, sem me oferecem escolhas. Então, não, mãe, não me peça novamente para dar uma chance, é injusto e egoísta.

Chego ao trabalho depois de uma hora e meia, como todos os dias. Cumprimento alguns clientes que passam por mim e entro na sala reservada para funcionários. Passo meu cartão de ponto e vou até o vestiário, onde encontro Amelia, que trocava de roupas enquanto se olhava no pequeno espelho pendurado na sua porta.

— Hoje estará mais cheio. Viu o anúncio das ofertas na entrada? — Pergunta ela.

— Não, não vi. — Respondi.

— Está tudo bem?

— Está, sim. Só... acordei atrasada.

— O de sempre. Seu despertador não funcionou de novo?

— Pois, é.

Ela se levanta e olha para mim, como quem me analisa. Amelia tinha essa mania, de analisar as pessoas como se fosse psicóloga, porque foi a profissão do seu pai.

RaízesWhere stories live. Discover now