Moça bonita

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Era debaixo da laranjeira à beira do riacho que Juliette gostava de estudar.

Na plenitude dos seus doze anos, todas as tardes pegava numa manta,  estendia-a debaixo da àrvore e fazia os deveres escolares.  Ao seu lado tinha um pequeno rádio de pilhas onde escutava o programa discos pedidos.

Hoje era um desses dias.  A moça que ligou para o programa pediu para ouvir Chão de Giz do Cantor Zé Ramalho.

Juliette era apaixonada pela voz do cantor, assim como da sua irmã Elba.

Encostou-se no tronco da laranjeira e fechou os olhos, absorvendo aquele momento.  Acompanhava a letra da canção fazendo gestos dançantes com as mãos.

Assim que a música terminou ela escutou:

- Olá, menina bonita.

- Ein, ah!  Desculpa, não vi tu chegares.

- Estavas de olhos fechados.  Gostei de ouvir-te cantar.
Vens sempre aqui?

- Eu venho.  Eu moro na casa grande. O meu nome é Juliette,  e tu?

- O meu é Rodolffo.   Eu cheguei ontem.  O meu padrinho vai trabalhar aqui, eu acho.

- Que bom.  Podemos ser amigos.  Qual a escola onde tu andas?

- Eu nunca fui à escola.  Eu só ajudo o meu padrinho e a madrinha.

- Tu não  sabes ler e escrever?

Rodolffo baixou a cabeça e envergonhado respondeu.

- Não.

- E gostavas?

- Muito.  Eu queria ser doutor,  mas é preciso estudar muito e o padrinho  não quer que eu vá à escola.

- Porquê?

- Ele diz que as pessoas da minha cor não precisam  ir à escola.

- E tu queres saber ler?  Eu posso ensinar-te.

- Verdade?  Tu não te importas?

- Não.   Vem aqui todos os dias a esta hora.  Eu vou ensinar-te a ler e a escrever.
Agora já vou.  Amanhã a esta hora.   Não te esqueças.

- Não vou esquecer, menina bonita.

Juliette dobrou a manta, pegou nos cadernos e no rádio e foi embora.

Rodolffo colheu uma laranja, sentou-se junto à laranjeira e sorriu.

Gostou de conversar com a menina bonita.

Juliette entrou em casa e foi encontrar a sua mãe no quarto.  A mãe era uma pessoa com a saúde frágil e saía muito pouco de casa.

- Mãe.  Já fiz os meus deveres.  Sabes uma coisa.  Conheci um menino, acho que tem a minha idade e diz que nunca foi à escola.

- E ele explicou porquê?

- Disse que o padrinho dele não deixa porque as pessoas da cor dele não precisam ir à escola.

- E que cor tem ele?  Ele é uma pessoa.

- É mulato mãe.

- Não tem nada a ver com a cor dele.  O padrinho é que é ignorante.

- Eu vou ensinar ele a ler e escrever.

- Fazes bem filha.  Devemos ajudar todo o mundo.

Juliette deu um beijo na mãe e foi para o seu quarto.  Separou um caderno, lápis e borracha para levar no dia seguinte para o seu amigo.

Depois de comer a laranja, Rodolffo voltou para casa onde a madrinha já andava à sua procura.

- Onde estavas seu merda?  Eu a precisar de ajuda aqui em casa e tu por aí a fazer sei lá o quê.

- Desculpe madrinha.  Só fui conhecer aqui um pouco.

- Vai lavar aquela loiça e depois esfrega o chão.

Rodolffo foi fazer o que lhe mandavam sem dizer palavra.

Enquanto lavava os copos, começou a pensar em Juliette e distraiu-se deixando um copo escorregar da mão.

Etelvina ouviu o som de vidro partido e veio ligeira ver o que se passava.

Estás  com a cabeça na lua seu negrinho?  Olha o que fizeste.  Não mereces o pão que comes.
Dizendo isto pegou numa colher de pau e deu-lhe com ela nas costas.

A dor foi grande, mas Rodolffo há muito tinha prometido a si mesmo não chorar.

Limpou os vidros, terminou as tarefas e sentou-se na soleira da porta à espera do padrinho que não sendo bom para ele nunca lhe bateu.

Menina bonitaOnde histórias criam vida. Descubra agora