Capítulo um.

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Com vinte e dois anos eu já tinha experimentado muitas coisas do mundo. Me arrastei para os cantos mais obscuros onde a escuridão tinha me abraçado de uma maneira que nem mesmo agora, eu conseguia enxergar a luz. Eu tinha vícios, o álcool era o que mais me afetava, já tinha usado drogas, e sexo? Pf, isso não tinha mais emoção. Nada disso me fazia sentir nada, eu estava oca, e tudo o que eu conseguia sentir era um desespero gritante, um buraco gigante em meu peito.

Enquanto eu estava sentada no parapeito da varanda de meu apartamento, lembrava-me que nem sempre fui assim oca, nem sempre eu fui uma pessoa podre. Eu costumava ser radiante, quando meu pai estava vivo eu era uma pessoa diferente, meu pai me despertava o meu lado mais bondoso e amável. Lembro-me de como éramos inseparáveis, como íamos a igreja todos os domingos, como ele adorava contar histórias com lições de moral, e de como ele era um homem cheio de fé. Uma pena que sua fé não tenha salvado sua vida. Então eu tive que ver meu amado pai ser baleado e se afogar no próprio sangue por reagir a um assalto. Naquele dia, morri junto com ele. Naquele dia, tudo mudou.

Eu não fui a única a mudar com a morte de meu pai, minha mãe também transformou-se em alguém irreconhecível, alguém que não se importava com mais nada, uma mulher agressiva que me colocou pra fora em um dos meus atos de rebeldia. Posso ter ficado com raiva, mas não a culpo, eu realmente sabia ser uma adolescente problema.

Olho para baixo encontrando, há alguns metros, a calçada sólida e escura, parecia gritar por mim, tão atraente quanto um prato de comida quente é para um morto da fome. Senti que não estava tão sozinha naquele momento, mas de longe sentia que era uma presença boa... Minha mente trabalhava sem parar, vozes me diziam que seria rápido e indolor, tudo acabaria. Era quase como se eu estivesse sendo empurrada.

Então olho pra cima, o céu estava escuro, mas as estrelas brilhavam como nunca, uma bela visão. O vento soprou e eu fechei os olhos, sentindo um breve alívio com aquela brisa fresca soprando meus cabelos bagunçados. Meus olhos arderam, a primeira lágrima veio solitária, me surpreendendo, pois há muito tempo não chorava.

— Você está aí? — Funguei olhando para cima. — Deus? Jesus? Alguém?

Minha garganta ardeu, lembrando de todas as vezes que eu encontrava papai no meio de suas orações e ele sorria pedindo pra que eu me se juntasse a ele. Quanto tempo eu não pensava mais nisso? Há quanto tempo não penso mais em Deus?

"É só pedir a Ele, e Ele lhe dará." Era o que meu pai dizia.

— Eu preciso de ajuda. — Minhas mãos grudaram tão forte no parapeito, que duvidei ser minha força. — Não aguento mais, não consigo mais... Por favor, Senhor, eu só queria ser feliz... Só... Um pouco... Talvez eu precise de um milagre, ou algo... Não sei... — Dei um leve suspiro.

Meu orgulho foi colocado ao chão e eu chorei ainda mais.

Solucei, esperando por alguma resposta, mas nada veio. Apenas o silêncio da madrugada, tudo muito quieto que chegava a me assustar.

Era óbvio que nada aconteceria. Deus não estava me escutando, talvez ele nem mesmo existisse, se existisse, eu não valeria a pena ser salva. Meu pai era um bom homem e não foi salvo, então eu, cuja a alma fede a pecado, com certeza não seria digna.

Eu estou condenada.

— Ta certo. — Engoli o choro, amarga. — Eu sou uma idiota por tentar. Que se dane! Eu vou para o inferno então, que seja... Com tanto que isso acabe...

Eu abri minhas mãos, soltando o parapeito. "É isso" pensei. "Deus me abandonou". Não tinha mais razões pra continuar respirando, era alguém quebrada, inútil, que ninguém se importava. Eu não faria falta.

M I R A C L EUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum