Conto - Nas sombras do galpão

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Anoitecia, apesar do relógio ainda marcar 18 horas. Já foi difícil me acostumar com o horário de verão, mas me acostumar com seu término era ainda pior. O manto negro do céu engolia toda a claridade até pouco existente, trazendo a escuridão por toda a janela, minha única vista da vida exterior.

Meu expediente de trabalho chegava ao fim, bastava apenas passar meu crachá pelo relógio de ponto, e pronto! Estaria livre para viver minha vidinha, filme e pipoca em casa, por favor. Suspirei aliviada ao ouvir o bipe. Prestes a dar meia volta em direção à saída, ouvi um baque alto ressoar pelo ambiente.

Minha empresa estava fechando para mudança e o local seria desapropriado dentro de alguns dias. Por isso, metade dos móveis já estava sendo retirado, incluindo os cabos de rede e até mesmo o sistema elétrico. Emaranhado de fios caíam do teto na sala já escura, impossibilitando o trabalho no horário da noite.

O som de algo caindo ressoou no final do corredor, o local mais escuro do ambiente, agora que a noite já havia se estabelecido. Fingindo ignorar o barulho, afinal, não queria problemas bem no meu horário de saída, apressei o passo para ir embora. Contudo, fui contida quando todo o armário, localizado no final do corredor escuro, veio ao chão, emitindo um som de congelar os ossos.

Quando me virei, avistei uma pessoa em meio à bagunça do armário caído. Corri em sua direção, pois precisava prestar socorro a pessoa que, provavelmente, estaria ferida. Entretanto, quando me aproximei, o terror invadiu meu corpo. A pessoa à minha frente estava com escaras em carne viva por toda a pele, os olhos saltavam das órbitas e me encaravam fixamente, a boca se escancarava em um ranger rouco e saliva escorria pelos cantos da boca. Havia hematomas e marcas de sangue pisado nos braços nus pela camisa rasgada. Escorria sangue de sua barriga, empapando a blusa e formando uma poça viscosa no chão.

Em pânico, tentei me afastar, mas ao mesmo tempo era difícil desviar os olhos daquela criatura. Deveria tê-lo feito, de fato, pois o homem à minha frente não hesitou em abocanhar meu braço em um movimento rápido e certeiro.

Um grito agudo escapou da minha garganta quando a carne foi dilacerada e o sangue esguichou quente. Com horror, avistei a criatura mastigar o que, até pouco tempo, era uma parte de mim, manchando as bochechas e o queixo com meu sangue.

O pavor da cena macabra me deu forças para afastar-me e correr para fora dali. Fechei a porta com força, apesar da criatura se movimentar pateticamente devagar.

A dor causada pela mordida irradiava por todos os pontos da minha pele, dos pés a cabeça. O caminho até o portão principal da empresa parecia uma eternidade. As ideias começaram a se confundir em minha mente à medida em que meus passos se tornavam trôpegos e desorientados. Minha visão escurecia e minha língua secava, sendo cada vez mais difícil raciocinar, até mesmo caminhar.

Com a vista turva e a sensação de embriaguez, arrastei-me pelas escadas do galpão, agora totalmente imerso em sombras. Não sei ao certo quando apaguei, só sei que acordei caída nas escadas, com espasmos nas pernas. Devia ter sofrido uma convulsão, pois espuma branca escorria dos meus lábios e meus braços estavam contorcidos em posições estranhas. Contudo, eu não sentia dor, apenas um vazio profundo e angustiante. E fome, uma fome voraz e sedenta preenchia-me totalmente.

Cambaleei escada a baixo, cada vez mais entorpecida e perdendo os sentidos. Algo dentro de mim fazia meu estômago se contrair. Quando avistei o segurança na entrada do prédio, tentei pedir ajuda. Mas no mesmo instante o pensamento esvoaçou e meus sentidos deram lugar ao instinto selvagem, pelo qual me lancei em cima do segurança, cravando meus dentes em sua carne macia e quente, saboreando o sangue viscoso e fluido que escorria, ao passo em que a escuridão me engolia por completo.

Taquicardia e outros sintomas do medoWhere stories live. Discover now