I. Sobre Baleias Encalhadas, Pirulitos de Uva e Aeroportos

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Quando cheguei, eu já sabia que uma hora teria de ir embora ㅡ não se deixe enganar pelo quão aficionado me permiti ficar por aquele menino, eu sempre estive acostumado a percorrer longas distâncias e nunca de fato chegar a lugar algum.

Meus pais viajavam muito, quando eu era mais novo, levavam a mim e a meus irmãos, então não era difícil concluir que nós cinco passamos a maior parte das nossas vidas em aeroportos, assistindo pessoas irem e vir, repetindo o mesmo ciclo interminável.
Apesar disso, para mim chegou um momento em que toda aquela rotina se tornou insuportável, e creio que seria difícil me culpar por algo tão básico assim; oras, migrando entre várias escolas, acostumei-me a ser o "garoto novo" da turma ㅡ a nova pérola rara e brilhante que acharam em meio às outras conchas na areia. Eu era chamado para muitos grupos, apesar de em certo momento ter passado a me recusar a me juntar sequer a um ㅡ era engraçado, sempre ser aquele que exportava brincadeiras, porém deixava os amigos que recém tinha construído para embarcar em outro avião novamente. Comecei a desejar construir vínculos, cansado de apenas me distrair com novos lugares e paisagens; aprendi que nunca de fato poderia apreciar a beleza de algo se não passasse tempo o suficiente fixo num lugar para apreciar as nuances.
Creio que conheci todos os sabores de pirulitos, as balas azedas, e todas as bebidas que as maquinas de venda e quiosques tinham a oferecer, naqueles recintos, contudo lembro que um me cativou e quis para sempre ter ele disponível para me deliciar ㅡ o triste era que aquele push-pop apenas existia em um aeroporto pequeno e secluso no interior de uma cidade-satélite.
Oras, de que adiantava ter vários doces, se eu queria apenas um?
A lógica não era assim tão diferente da outra situação: de que adiantava morar em tantas casas distintas, se eu apenas desejava ter lugar fixo para chamar de lar?
Acho que, em certo momento, passei a sentir falta de um conforto que nunca tive: a familiaridade.
Enquanto as crianças ao meu redor desejavam os apetrechos complicados que exibi, viajar por todos os lugares que viajei e ter aprendido as línguas que aprendi, eu apenas almejava ter um quarto para chamar de meu.
Estava cansado de adulações, de sempre ser o garoto novo, de dar voltas e nunca chegar a lugar algum.
Eu queria sentir que pertencia a algum ambiente.
E acho que meus pais perceberam isso.

A maior quantidade de tempo que passamos fixos num só lugar foi num período de dois anos.
Ironicamente, é onde nossa história começa: no verão de mil novecentos e oitenta e cinco.
Recordo daquela época como se ontem mesmo a tivesse vivido.

Eu andava entre os corredores com a cabeça baixa, olhos fixos no assoalho de madeira e no rodapé dos armários pintados de azul-turquesa; os corredores estavam vazios, e, se eu me esgueirasse entre as entradas das salas, conseguiria visualizar pela janela das portas vários alunos curiosos a me encarar como peixes avistando uma construção nova e desconhecida dentro do próprio aquário. Ao invés disso, arrastava minha bolsa e mudava a faixa no meu walk-man, assobiando baixinho uma música do a-ha!
"Take on Me" havia sido lançada naquele ano ㅡ mais especificamente, no início daquele mês ㅡ, e como a nova atração da cidadelha que havíamos nos mudado, já estava viciado nela. Senti que, mais que ninguém, me identificava com a letra da música.

We're talking away
I don't know what I'm to say
I'll say it anyway
Today is another day to find you
Shyin' away
Oh, I'll be comin' for your love, okay

Estamos jogando conversa fora
Eu não sei o que devo dizer
Eu direi mesmo assim
Hoje é outro dia para te encontrar
Me evitando
Eu voltarei para buscar o seu amor, ok

Penso que, caso precisasse escolher uma trilha sonora para aquele ano, essa música tocaria em repeat durante boas e intermináveis horas.

Take on me
Take me on
I'll be gone
In a day or two

★ O Verão de '85 ★ [🍇] KILLUGONWhere stories live. Discover now