Um milagre de Natal

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Wishing you a Merry Christmas - Miley Cyrus




Entre a risada de Ada para Carl e Charlie, com agora 7 anos, abraçando Polly, Alfie pega uma caneca cheia com chocolate quente e se afasta da bagunça alegre e divertida que se desenrola na sala de estar dele. Desde que se entendeu por gente, apesar de muito falador, Alfie apreciava certos momentos de silêncio. Não era esse o silêncio que ocupava a pequena casa desde o incidente. Charlie não morava com eles a 4 anos. Então um pouco de barulho, além da própria voz ou os passos dele e de Edna, se tornaram muito bem-vindo.

Ele abriu a porta no final do corredor no andar térreo e caminhou até a janela. Afastou as cortinas e empurrou a vidraça, deixando a luz branca e a brisa fria do Natal saudá-los. A neve cobria cada centímetro de Margate. Ele observou o mar de longe, parecendo congelado com o cenário. Bebeu um pouco do chocolate quente, antes de se virar novamente para o interior do quarto e caminhar até a confortável poltrona ao lado da cama.

— Bom dia querido — ele diz, inclinando-se para a cama. Alfie toca gentilmente a testa de Thomas, afastando alguns fios de cabelo para deixar um beijo gentil ali — Caso te conforte, eles ainda são um caos, como aquelas agitações num globo de neve — ele murmura e se acomoda na poltrona.

Alfie troca a xícara por um livro de contos, que permanece fechado enquanto ele atualiza Thomas sobre os últimos acontecimentos. Ele ainda pode ouvir um pouco da bagunça Shelby, mas agora soando como uma música de fundo muito baixa. Há algo diferente naquela rotina quando é dezembro. Ele está lidando melhor com isso, mas lembra como foi desesperador na primeira vez. Algumas coisas foram facilmente ajustáveis, outras ainda ardiam dolorosas em seu peito. Ele não pode deixar de odiá-lo em alguns momentos, assim como não podia deixar de vê-lo todos os dias e todos os dias falar sobre a vida acontecendo. Os cavalos que trouxeram para Margate, Charlie crescendo...Apenas as coisas boas que andavam acontecendo. Ele cuidava de Thomas de silêncio em silêncio. Sentava-se ao lado dele, contava histórias, falava sobre o dia, sobre clima.

"— O inverno combina com você Tom, mas tenho certeza que amaria a primavera aqui. A brisa do mar é como uma saudação alegre dos deuses."

Os dias eram os mesmos, ainda que não fossem. Existia uma rotina real para que tudo funcionasse, mas dezembro era frágil. Ele montava a árvore de natal com Charlie e eles ficavam até tarde no quarto de Thomas. Houve muitas perguntas sobre "quanto tempo o papai vai dormir" e "ele está tão cansado?". Coisas de partir o coração como "espero que ele acorde para meu aniversário este ano" e o pavor repentino quando Charlie parou de fazer tantas perguntas. Parecia o conformismo, a morte de alguma coisa.

Mas então há dezembro e há a família de Thomas e um acordo de amortecer o impacto de tudo. Convencer todos os membros da família que Margate era o melhor lugar para ele estar foi difícil, cansativo. Durou meses, um estresse tão absoluto que ele mal se lembrava dos acontecimentos para além de um borrão. A rotina nova incluía visitas de toda família a qualquer ligação. Charlie esteve com eles no primeiro ano, mas Alfie podia ver como aquilo estava atrofiando seu desenvolvimento, e numa decisão de partir seu pobre coração já desgastado, pediu a Ada que o levasse. Era o melhor que podiam fazer naquele momento.

Ele bebeu. Muito, mas se levantou todas as manhãs. Oh, houve dias e dias, e havia dezembro. Onde Alfie lembrava e esquecia, muito parecido com todo o mar que os cercava. Indo e vindo.

Em algum momento, entre um devaneio e outro, ele terminou o chocolate e começou a história.

— Diz-se que quando Jesus nasceu as árvores de todo o mundo floresceram e revestiram-se de flores nesse dia. Todas, exceto o pinheiro — ele para, analisando a página do conto. Era um livro novo, adquirido numa das andanças pelos sebos no centro da cidade —Uhmm...Isso parece um pouco triste, não é mesmo Tom? — Alfie se acomoda no encosto da poltrona e estende a mão para a de Thomas, já acostumado a segurá-las entre uma leitura e outra.

— Sendo o pinheiro uma árvore que não produz flores, tudo o que lhe nasceu foram pinhas, e apesar de ter muito orgulho nelas, ele viu que, ao lado das outras árvores, tinha um aspecto muito humilde. Por isso entristeceu-se e envergonhou-se por não conseguir homenagear o nascimento do menino Jesus com a mesma beleza das outras árvores — sem notar, ele afaga os dedos de Thomas e apesar da aspereza da própria mão, os movimentos eram delicados.

— Ouvindo o seu lamento, os anjos apoderaram-se da sua condição e decidiram ajudá-lo. Do céu colheram estrelas e com elas foram-lhe enfeitar os ramos.

Esse é o momento que Cyril escolhe para se juntar a eles. Ela empurra a porta que estava apenas encostada e se acomoda aos pés de Alfie, próximo a cama. Ele sorri, sem interromper a história.

— O pinheiro ficou radiante e brilhou com tanta luz que gente de muito longe avistou o pinheiro iluminado no meio da serra e veio ver o que era aquilo — ele funga, para conter o embaraço na garganta. Que homem bobo, é só um conto, mas como eu disse, é dezembro.

— E a todos os que chegavam o pinheirinho dizia: Alegrem-se! Hoje nasceu o Salvador do Mundo — Alfie olha entre as mãos deles e o rosto de Thomas. Não havia sinal algum de que ele estivesse ouvindo alguma coisa. Não havia sinal de nada, mas ele parecia tranquilo como nunca esteve em anos.

— Parece muito com um milagre de natal, não é mesmo Tom? — Cyrill choraminga e empurra o focinho contra a perna dele. Ele entrelaça a mão com a de Thomas, apertando-a levemente — Está tudo bem garoto, tudo bem — o bulmastife se acalma e ele fecha o livro.

Alfie se concentra na mão de Thomas, num esforço silencioso de se afastar do que foi dito, mas essa era a fragilidade da qual dezembro era feita para ele. A promessa de algo novo, um milagre. A esperança que parecia apagada desde que Charlie parou com as perguntas.

Dezembro era empurrar dolorosamente para dentro toda a euforia da possibilidade, que ele precisou trocar por um passo de cada vez. Alfie não podia imaginar os próximos anos, nem mesmo acreditar e prometer que os teria, pois tudo que ele tinha era a mão entrelaçada na de Thomas.

Ele fica assim até Ada bater na porta, chamando-o para se juntar a eles para o almoço. Alfie pede um minuto. Beija a mão de Thomas, a testa, fecha a janela e sai do quarto encostando a porta. Cyrill fica no ali, cochilando ao lado da cama. Eles almoçam, sorriem, comem a sobremesa. Tomam chá enquanto as crianças aproveitam os novos brinquedos e o mais importante, falam de Thomas no presente.

No final da tarde quando todos se foram, começou a nevar novamente e ele volta para o quarto com outra história. As luzes do pinheiro banham o corredor e invadem o quarto pela fresta da porta.

Alfie acaba cochilando na poltrona com Cyrill aos seus pés e a ideia de um milagre esquecido no fundo de sua mente.



Fim!

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⏰ Last updated: Jan 13 ⏰

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