Capítulo 5

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Enquanto Cherry Paula rasgava as ruas de São Paulo pilotando sua barulhenta motocicleta negra com as delicadas trufas na mochila, Manu finalizava o recheio dos ravioli perfetti. Já havia refogado em azeite extravirgem o alho-poró picado. Já havia retirado apenas o coração de vinte alcachofras, somado ao alho-poró e acrescentado um pouco de água mineral.

Cozinhara por cerca de vinte minutos, até as alcachofras ficarem no ponto. Esperou esfriar um pouco, depois bateu tudo no liquidificador. Coou na peneira mais fina que tinha, para se livrar de todos os fiapos, por menores que fossem. Depois voltou à panela e cozinhou um pouco mais, até a mistura engrossar, formando um creme denso e aromático.

Por fim, desligou o fogo, acrescentou manteiga, e a mistura ganhou um brilho acetinado. Tirou a panela do fogão, deixou o creme esfriar alguns minutos, mexeu com a colher de pau para verificar o ponto e provou um pouco. Não havia praticamente nada ali a não ser uma quantidade enorme de alcachofras, um pouco de alho-poró e manteiga. Ainda assim o sabor era espetacular. Na bancada ao lado, a massa estava aberta em quadradinhos precisos. Manu depositou delicadamente uma porção de recheio em cada um e os fechou usando um pouquinho de água para selar. Travesseirinhos de alcachofra concentrada.

Havia feito doze unidades quando Paula entrou na cozinha e parou na área delimitada pelo balcão de finalização. O Carmona ainda estava funcionando em ritmo de preparo, quando a concentração não é tão imprescindível e nesses momentos a presença da sensual bartender era menos nociva.

Manu se aproximou dela, ansiosa e curiosa. Paula sorriu, colocou a pequena trouxa negra sobre o balcão e abriu, revelando as pepitas do mais cobiçado cogumelo do mundo. A chef não conseguiu conter um grito de alegria.

- Não foi fácil – exclamou Paula. Depois deu um longo suspiro e saiu.

Manu sorriu, feliz feito uma menina que ganha a boneca desejada no natal, e voltou ao trabalho. Cozinhou rapidamente os raviólis, depois passou numa frigideira com manteiga levemente aquecida e dali para o prato. Finalizou ralando lâminas quase transparentes de trufa branca, que caíram como singelas pétalas de flor num leito nupcial. Decorou com dois raminhos de tomilho e uma lasca encaracolada de limão siciliano. Depois pegou dois garfos, um guardanapo de pano e foi para o bar. Paula, que bebia uma cerveja long neck no gargalo na tentativa de aplacar um pouco o calor provocado por Elfo, se aproximou para conferir a obra de arte do dia.

- Vamos ver – Manu exclamou entregando um garfo à amiga.

Depois pressionou um ravióli que se partiu revelando o recheio cremoso cor de ágata. Empurrou metade para a amiga, recolheu a outra para si e pôs na boca. Quando sentiu a explosão de sabor sobre a língua olhou para Paula, completamente assombrada com o resultado. Sua sócia mastigava muito lentamente, com os olhos arregalados cheios de lágrima.

- Puta que pariu, o que tem aqui? – Paula exclamou quando recuperou a fala.

- Então, isso é o mais incrível – respondeu Manu. – Não tem praticamente nada além de farinha, alcachofra e trufa.

Paula olhou a amiga enquanto sentia aquela tempestade de sabor invadindo a boca. Manu estava radiante. Os grandes olhos azuis brilhando, a pele branca corada de emoção, um meio sorriso nos lábios pequenos e naturalmente rosados... Paula adorava ver a amiga assim. Sentia orgulho misturado a uma pontinha de inveja. Não aquela inveja ruim, de desejar mal. Uma inveja branca, que vinha da vontade de ser como ela, de ter um talento assim, que lhe desse um sentido na vida.

Olhou mais um pouco, aquela felicidade transbordante, e lembrou da pele do colo de Manu brilhando na noite anterior. Lembrou das vezes em que a havia visto sem roupa, o corpo magro, definido e bem proporcionado. E, pela primeira vez, por um breve momento, teve vontade de experimentá-la, assim, só por curiosidade. Paula, evidentemente, já havia ficado com outras mulheres.

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