Capítulo 10

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Poderia dizer que meu coração está acelerado, poderia citar como a chuva queima minha pele quente ou como estou completamente imóvel e sem saber o que fazer, mas não sinto nada, não vejo nada e não ouço nada.

É como se o tempo parasse para nos prestigiar, sentir o contato humano de forma tão intensa dentre tantos encontros brutais que já tive é quase estranho, mas não ruim. Minha mente, tão acostumada com o frio e a dureza da sobrevivência, agora parece despertar para uma nova forma de calor, algo que vai além da minha compreensão, mas que parece certo.

Nada é mais adequado ou verdadeiro para demonstrar o que sinto no momento, o ato se iguala ao selamento de um pacto, a uma promessa inquebrável ou a prova máxima de lealdade, é como se eu pudesse falar sem palavras, agir sem ações ou pensar sem minha mente.

Seria esse o motivo da minha espécie ter distribuído tantos beijos ao longo da história? Segundo meu irmão, as pessoas se beijavam quando se viam, ao se despedir ou quando o momento era propício, geralmente carregado de muita emoção e adrenalina. Ao experimentar a sensação pela primeira vez, percebo que beijar parece ser o único gesto capaz de explicar um sentimento inexplicável, o que é bom, já que nem mesmo eu sei o que sinto.

A lembrança da música que ouvi mais cedo me invade, quase como se eu pudesse ouvi-la. Gael não se move, será que ele está gostando e sentindo o mesmo que sinto? Ou sua falta de ação é resultado do choque pela situação? Posso perde-lo, sei que essa é uma opção a ser considerada, contudo o que mais poderia fazer? Agi de maneira impulsiva, ele já beijou antes e sabe o que está fazendo, então por que não retribui?

A ansiedade se faz presente, e o medo repentino das consequências me cercam conforme afasto nossos lábios, sentindo meu rosto queimar e refletindo sobre o acontecimento.

Ele me encara, e em seguida coloca uma de suas mãos em minha cintura recomeçando nosso beijo. Seria uma confirmação? Eu estava errado? Seu toque é suave, seus lábios são macios e dessa vez, a sincronia entre nossas bocas parece automática, como se soubessem exatamente o que fazer.

Apesar de apreciar o momento, queria que meu primeiro beijo acontecesse em circunstâncias diferentes, talvez em um ambiente mais confortável, sem o cheiro da carne podre queimando e sem estar sujo ou coberto de sangue, porém todos esses detalhes se tornam irrelevantes quando percebo que estou dividindo essa experiência com alguém tão especial quanto Gael.

Assim como a chuva, nosso momento também se intensifica, ficando mais pesado e me deixando sem ar. Trovões dividem o céu acima de nossas cabeças criando o contraste perfeito entre o caos e a calmaria, coloco minhas mãos em seu rosto sentindo sua pele molhada e aproveitando a sensação de proteção que seu corpo proporciona.

Não preciso dar nome ao que sinto, não preciso categorizar nossa relação e não preciso ter mais dúvidas sobre meus sentimentos por que, mesmo sem conhecê-los, sei que eles são honestos e leais.

Ouço rosnados distantes e pela primeira vez não preciso me preocupar com nada, Clarice e Héctor devem estar dando conta do recado, o que é bom! A maior lição que aprendi sobre a vida é que qualquer momento pode ser o último. Não sei se isso irá se repetir, apesar de querer, não sei se sentirei o toque de seus lábios novamente, então continuo aproveitando cada minuto, juntando nossos corpos e ficando completamente imerso as sensações.

Até que um tiro é disparado e um infectado cai ao nosso lado, fazendo com que eu me levante e chute Gael por extinto.

— CARALHO! — ele grita, esfregando sua perna.

— Me perdoa, foi por impulso! — digo, me abaixando e conferindo sua perna. — Você tá bem?

— Cara, que MERDA! — levanto rapidamente, vendo Clarice jogar a arma no chão e praguejar, caminhando seguidamente em nossa direção. — ISSO TAVA TÃO LINDO, TÃO FOFO, MAS ESSA CARCAÇA DESGRAÇADA TINHA QUE ATRAPALHAR!

MATTEOWhere stories live. Discover now