Ouço o som de gargalhadas frenéticas a medida em que abro meus olhos, meu corpo dói, minha visão está embaçada e sinto um latejar sobre minha cabeça.
Tento focar e observo o lugar, estou deitado na cama de Gael, o sol entra pela janela anunciando que já é dia e Fiona está deitada perto da mesa.
Ela subiu as escadas? Quanto tempo eu dormi?
Escuto a voz de Clarice vindo lá de baixo e um arrepio de alívio percorre meu corpo ao saber que ela está bem, contudo como vim parar aqui? A sensação que sinto é a mesma que senti quando estive aqui pela primeira vez, é como ver um ambiente completamente novo e diferente se estendendo sobre meus olhos.
— Oi, garota! — digo, a observando. — Você parece tão perdida quanto eu.
O alçapão se abre anunciando que alguém chegou, porém estou sem forças para levantar então fico apenas deitado. Droga, por que me sinto assim? O que aconteceu ontem? A última memória que tenho é de sair pelo portão, depois tudo parece ter sumido até eu acordar.
— Você está bem?
Sua voz invade meus ouvidos, sua expressão preocupada me acolhe e sua presença faz com que eu me sinta seguro novamente, pelo menos até eu me lembrar porque decidi partir ontem.
Tenho muito a dizer, quero gritar sobre como suas palavras me machucaram, sobre como fiquei incomodado com o fato dele ter me humilhado na frente de um completo desconhecido ou sobre como a alternativa de ter que deixar a casa na árvore havia me ferido, mas as palavras não saem, não por medo ou insegurança, eu só estou esgotado demais para pensar em encarar outra briga.
— Olha, Matteo... — Gael começa, porém sei exatamente onde isso irá nos levar, então o interrompo.
— Não! — digo, fechando os olhos. — O que aconteceu? Como eu vim parar aqui?
— O infectado que você enfrentou ontem no portão te mordeu, você percebeu? — ele diz, sentando-se na cama. — Mordeu no mesmo lugar em que outro havia mordido, porém foi fundo demais. Achei que o sangue em seu braço vinha do corte na mão de Héctor, mas era do seu ferimento, você perdeu muito sangue e deve ter desmaiado, te encontrei desacordado na floresta pouco tempo depois.
Héctor? Então agora ele tem um nome, fantástico! Encaro Gael e percebo como ele aparenta estar cansado, suas olheiras estão saltadas, seus olhos vermelhos e ele boceja várias vezes como se não tivesse dormido a noite, mas é claro que não dormiu! Estava ocupado demais conhecendo seu novo hóspede. Noto que algumas plantas estão amarradas por tecidos brancos em meu braço, também estou com outras roupas e limpo, sem nenhum vestígio de sangue ou sujeira.
— Obra sua, imagino eu. — digo, o encarando com firmeza. — Primeiro você diz que está cansado de mim, depois você me salva e me põe pra dormir na sua cama, meio confuso.
— Matteo...
— Ah é, e não vamos esquecer o fato de que, antes de dizer que estava cansado de mim, ainda me humilhou por tentar protegê-lo. — tento parar, contudo as palavras saem como facas afiadas.
— Não foi bem assim, por favor me dei...
— Nem um "obrigado", nem a porra de um "obrigado" eu recebi por tentar te proteger, acha mesmo que eu não queria abrir aquele maldito portão? — meu rosto queima a medida em que o ódio ganha vida.
— Claro que não, mas se você me deixar explic...
— NÃO! — grito, gemendo de dor logo em seguida. — Eu não tenho forças para encarar mais uma discussão Gael.
— Não vamos discutir, você só precisa me escutar. — ele tenta pegar minha mão, porém a desvio. — Eu entendo que você fez o que fez e disse o que disse por que estava com medo de pôr nossa segurança em risco.
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MATTEO
RomanceA alguns anos atrás, no início da pandemia, o único passatempo dos seres humanos era reclamar de como as máscaras dificultaram a respiração, de como as mãos ressecaram por conta de uma substância de precaução chamada álcool em gel, de como ficar em...