Capítulo 1

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O último gole do café desceu pela minha garganta, ainda queimando.

   O "café" deles não é tão ruim quanto eu pensava. Reflito quieta.

   Dois dias. Mais dois dias terréstres e posso voltar para casa. 

   Seguro a xícara quente enquanto vejo a neve cair fora do estabelecimento.

    Solto um suspiro e ergo a mão, chamando o garçom. 

   — Deseja algo, senhorita? — o homem pergunta.

   — Pagar, por favor — respondo polida, porém sem expressão.

   Ele me diz o valor, que não enrolo para pagar.

    Ao sair, a brisa parecia brincar com meus cabelos, jogando-os para trás ao passo que eu tentava coloca-los dentro da touca. Deve realmente estar bem frio, dizem que neve é uma coisa extremamente gelada. Sobre isso, não devo opinar. Claro, no começo fiquei encantada com esse mundo, neve é uma das coisas que, quando voltar, provávelmente sentirei falta. Em Alca não temos o prazer de vivênciar a natureza mudar sua personalidade dentro do ano. 

   Nesses meses me interessei mais do que poderia em ver como as mesmas árvores mudaram tanto. Quando cheguei, as árvores estavam como agora, sem vida, sem cor. Sinceramente pensei que esse planeta não tinha mais chance, estava com os anos contados. Algumas semanas depois elas eram completamente verdes e pareciam estar alegres, ao julgar pelo balançar dos galhos. Em mais alguns meses as folhas estavam com cores fortes e com qualquer brisa que fosse chovia folhas secas, eu adorei andar por baixo das árvores e sair com o cabelo repleto de folhas.

   Tento deixar meu raciocínio sobre folhas e galhos para outra hora, e focar na última tarefa que tenho que fazer antes de voltar para meus afazeres em Alca. Formar um relatório convincente para que possamos ter mais terras e quem sabe, diminiuir a super-população no nosso planeta. Ou melhor, no nosso cubículo.

    Os terráqueos ainda não acabaram com o eco-sistema completamente, apesar de estarem entrando em uma era preucupante.

   Aperto o passo para chegar em casa, onde estão todas as minhas descobertas sobre a terra, quase um ano de pesquisa. Mesmo após um ano, ainda não sei se esse planeta está pronto para essa mudança. Com certeza, após a péssima experiência que os alcaaranianos tiveram, ensinaremos maneiras sustentáveis para toda essa gente. Quando dou por mim, já estou cruzando a rua que dá para o meu pequeno apartamento. O pensamento latente de que aquele lugar não é meu de verdade passa pela minha cabeça. 

   Ignorando, entro no lugar minúsculo que os investigadores de Alca arrumaram. "Um bom lugar", eles disseram. "Não é em rua principal, então se esconder não é difícil. Apenas não chame atenção e use bem seu disfarce."

   Fecho as cortinas, tranco a porta e começo o relatório.

   Nada. Nada sai. Não sei que fim dar para esse planeta. 

   Ele está realmente pronto pra lidar com alienígenas? A resposta é não. Talvez, com alguma diplomacia e tempo...

   Alca não tem esse tempo.

   Mas Alca também não tem tempo para procurar mais um lugar, e a Terra parece ótima.

   Meu corpo, cansado, implora para voltar a aparência de origem. Cedendo, minha pele lentamente volta a coloração branca, tão branca quanto a neve que caía lá fora.

   Encaro meus dedos ásperos. Ásperos e gelados. Sinto minha cauda roçar a parede, também gelada, como tudo nessa época. Apesar de saber que tudo ao meu redor está frio, eu não sinto. Por algum motivo isso me incomoda.

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⏰ Última atualização: Nov 04, 2023 ⏰

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