• Capítulo 2 •

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  Minha irmã não está mais viva.
  Quando a ambulância chegou já não estava mais respirando. Ela... se foi.
  Estou deitada no meu quarto chorando desde que a levaram, e isso deve ter sido há algumas horas. Não me movi ou falei desde então, continuo deitada em posição fetal, sem mover um músculo, apenas sentido as lágrimas frescas molharem meu rosto.
  Agora deve ser por volta das sete horas da noite, já consigo ver o céu escuro pela janela do meu quarto. Acabei não comendo nada, adormeci olhando para o céu estrelado, pensando se Alyan realmente estava ali comigo.
  Me desperto com a minha mãe abrindo a porta do quarto, me chamando para o café. Tenho vontade de rejeitar e continuar encolhida sobre a cama, lamentando a minha perda e pedindo que tudo seja apenas um pesadelo, mas aceito, não quero deixá-la sozinha.
  Fico imaginando o que minha mãe está sentindo. Perder seu marido e sua primeira filha em um curto período de tempo, eu perdi meu pai e minha irmã, mas não deve ser a mesma coisa. Não quero imaginar o quão dolorido deve ser perder uma filha.
- Daqui dois dias você tem que ir para a escola, filha - fala a minha mãe sem apresentar nenhuma emoção.
- Não quero ir.
- Se você ficar aqui será pior. - Enquanto ela diz isso, me sento à mesa e a encaro. Seus olhos estão inchados e com olheiras, ela deve ter passado a noite em claro.
  Não digo mais nada. Tomamos nosso café da manhã em silêncio.
  Comemos a pizza que sobrou do almoço de ontem. Noto que tem um pedaço a menos, então pelo menos alguma de nós duas jantou ontem.
  Depois de algum tempo após terminar o café, entro no quarto que minha irmã estava antes de ser levada. Está com um clima pior do que eu esperava.
  Sento no sofá-cama e fico encarando a parede à minha frente, não consigo pensar em nada, só sinto dor e um vazio inexplicável. Olho ao redor e todas as lembranças que eu tenho da gente nele vem à minha mente. Todas as brincadeiras, todas as bagunças, todas discussões, tudo.
  Consigo me lembrar do dia em que entramos aqui sem papai deixar. Bagunçamos sua mesa e ele nos fez arrumar tudo. Nosso pai tinha ficado uma fera, mas depois nos deixou entrar no quarto com mais frequência.
  Sinto lágrimas novamente, e fico ali, relembrando aqueles momentos. Agora tudo ficará apenas no passado, viraram memórias, apenas coisas que nunca irão retornar. Algo que eu nunca viverei de novo. Coisas que, em algum momento, eu posso esquecer.

~

  O funeral foi horrível.
  Apenas pessoas repetindo as mesmas coisas de sempre: "Ela era uma ótima pessoa, pena ter ido" ou "Sei que é uma grande dor, mas a hora dela chegou" ou qualquer coisa parecida. É irritante, essas pessoas mal falavam com ela.
  A maior parte eram pessoas da família e tinham duas ou três meninas que eram amigas da Alyan do colégio, elas vieram em casa algumas vezes, mas nunca falei muito com as mesmas.
  Quando estávamos voltando para casa já era quase noite. No caminho começou a chover, mas não uma chuva forte, uma chuva escassa, como se a mãe natureza também estivesse de luto.
  Fiquei com a cabeça encostada na janela do carro, encarando a estrada molhada com os respingos de água no vidro, atrapalhando minha visão. Penso como eles estão, minha irmã e meu pai.
-Acha que eles se encontraram? - Pergunto com a voz falha.
-Provavelmente. Eles não ficariam longe um do outro se soubessem que estão no mesmo lugar.
-E se eles não estiverem no mesmo lugar? - Mamãe me olha com dúvida. - Digo, se eles se tornaram estrelas, talvez não estejam perto um do outro.
-Não vamos achar uma resposta para isso agora, Lyn. - Diz ela, voltando a olhar para o trânsito.
  Fico pensando nisso. Não tinha se passado na minha mente antes. Será que eles não estão lado a lado?
  O silêncio preenche o carro novamente, e deixo ele tomar meus pensamentos também.

~

  Hoje é o último dia das férias, amanhã vou iniciar um novo capítulo na minha vida, como uma troca de temporada de alguma série. Vou entrar em uma escola nova, novos professores, novos colegas, novos ares.
  Não sei se isso é bom ou ruim, mas vou pensar nisso para tentar ocupar minha mente com alguma coisa que não seja a partida dela.
  Tento pensar no que irei usar amanhã.
  Me levanto da minha cama, que está toda bagunçada, e sigo até o meu guarda-roupas.
  Abro-o e vejo as várias colagens na parte interna das portas, em um dos espaços entre prateleiras estão fotos coladas no fundo do armário, uma delas é minha e da Alyan, viro rapidamente o rosto para me distanciar dos pensamentos.
  Em um canto tem livros enfileirados, do outro lado tem alguns cadernos empilhados, também tem alguns CD's, que eu gostava de ouvir, jogados entre eles. É meio antiquado ter CD's em pleno 2023? Sim, eu admito. Mas dá um ar tão bom, me sinto como aquelas moças de filmes antigos.
  As vezes imagino como seria bom ser uma delas. Ter um daqueles vestidos com mangas bufantes e saias rodadas, feitas com tanta delicadeza. E sempre ter homens almejando você, homens nobres e respeitáveis, que tem um coração puro.
  Continuo olhando aquela parte do armário e encontro um colar que meu pai me deu no meu aniversário de dez anos, não faço a menor ideia de como ele foi parar ali, mas lá está, o brilho do ouro reluzindo, e as pequenas pedras verdes que estão espalhadas por ele brilhando junto.
Mesmo que não fosse o que eu estava procurando, será o acessório que vou usar amanhã.
  Olho para a parte de roupas e tento achar uma calça jeans justa, quando a encontro coloco pendurada no puxador do armário, depois procuro alguma blusa que combine com o colar.
Pego um moletom verde escuro com bolso e toca, quase da mesma cor das pedras, e deixo junto da calça. Por último, procuro algum tênis, pego meu All Star branco que está um pouco sujo e que tem uma escritura quase completamente apagada feita a caneta: "A+L ". Minha inicial e a da minha irmã. Deixo-o na frente da porta do armário e me viro para olhar meu quarto.
  Ele é bem decorado, pois sempre gostei de fazer decorações. Na parede ao lado da parede da janela - que é Bay Window - tem uma cama de solteiro com cabeceira branca e do lado uma mesinha branca, na frente dela tem um tapete azul bebê com pelinhos, que combina com os lençóis bagunçados da cama. Em cima da cabeceira tem colagens, polaroids, desenhos, e até alguns adesivos que eu colei de cadernos que não são mais usados.
  Na parede da frente da cama tem uma escrivaninha branca, em cima dela um notebook com adesivos da minha banda favorita, 5 Seconds of Summer, e um porta canetas, com uns dois elásticos esquecidos no fundo.
  Em cima da escrivaninha tem um quadro cheio de post-its antigos com horários de aulas e dias de provas, ao lado do quadro tem uma prateleira com alguns livros que eu já li e um Funko da Bela, de A Bela e a Fera, para enfeitar.
  A última parede é onde fica o armário e a porta, entre os dois tem um espelho enfeitado com luzinhas, e na porta tem ganchos para colocar bolsas e casacos.
  Lembro que a maioria das coisas que estavam ali minha irmã tinha implicado, dizendo que iria ficar feio, mas no final ela elogiou, depois disse que só tinha ficado bonito por que ela tinha ajudado.
  Olho o relógio do meu celular, passam das onze da noite, então me deito na cama, exausta de tudo, e tento dormir para não acordar com uma cara horrível.

Olhe para o céu Where stories live. Discover now