• Capítulo 1 •

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  Seus cabelos loiros estavam esparramados pelos travesseiros, os lindos olhos castanhos não eram mais vistos, tampados pelas pálpebras cansadas por não dormir, ela está parada como nunca esteve, está à beira da morte.
  Todos sabiam o que iria acontecer, mas ninguém queria acreditar, pelo menos eu não queria acreditar. Estava acontecendo a coisa que mais me amedrontava, algo que eu pensava que nunca passaria, a morte da minha irmã.
  Alyan está morrendo e ninguém pode ajudá-la.
  Não acredito que isso é verdade. Ela estava bem alguns dias atrás, foi algo repentino, algo que me pegou desprevenida. Começou com uma febre, depois dor no corpo, pensamos que era só uma gripe, mas ela não melhorava, então buscamos médicos, e eles falaram que Alyan tem uma doença que ainda não tem cura, mas existem tratamentos que a tornam quase imperceptível.
  Tentamos trata-la, para ela ter uma vida normal e poder viver, mas minha irmã não aceita, e, mesmo querendo, não podemos fazer nada.
  Como Alyan já tem 19 anos, pode escolher se quer ser tratada ou não. Agora fico todos os dias ao seu lado, segurando sua mão e esperando que melhore.
  Minha irmã não pode morrer, não pode me deixar. Ela é a irmã mais velha, era para ficar comigo para sempre. Prometeu que veria eu me casar, que veria seus sobrinhos, sejam eles animais ou mini humanos. Não pode ir sem cumprir o que prometeu.
  Fazem dias que está de cama, cada dia piorando mais, e agora ela apenas espera a morte chegar e levá-la. Às vezes fala alguma coisa, me pede para ler uma história ou lhe contar como foi meu dia, mas nunca é algo interessante, e Alyan sabe disso, ela só tenta me fazer esquecer que não está bem.
- Como você acha que será lá? – Alyan pergunta com dificuldade, ainda com os olhos fechados.
-Aonde?
- Para aonde vou.
- Não sei... pode ser um lugar que você sempre quis visitar, como Paris.
- Como uma longa viagem?
- Como uma viagem sem passagem de volta – digo em voz baixa, ela se remexe.
- Me prometa uma coisa, Lyn.
- Pode falar – “não vou quebrar uma promessa como você está prestes a fazer”, penso.
- Quando ficar com saudades de mim, quando algo der errado e você não souber o que fazer, lembre-se de mim ao olhar as estrelas. Sempre vou estar com você, mas, quando você as ver, terá certeza de que estarei ao seu lado.
- Então você se tornará uma estrela? – Pergunto olhando-a.
- Acredito que sim. Todas as estrelas são almas das pessoas que morreram aqui. É nisso que acredito.
- Acha que papai se tornou uma? – ela assente e ficamos em silêncio.
  Nosso pai morreu em fevereiro, um mês depois do meu aniversário, foi um acidente de carro, ele estava voltando do mercado quando um motorista bêbado causou o acidente, o alcoólatra foi preso, mas isso não mudou nada do que sentimos.
- Por que você tem que ir? Fique comigo... por favor – digo com olhos marejados.
Alyan abre um pouco os olhos, me olhando com pena.
  Aqueles olhos castanhos misteriosos, os olhos que tantas coisas escondiam, e, ao mesmo tempo, deixavam tanta coisa transparecer.
  Queria ser como minha irmã, misteriosa, sonhadora, sem medo de demonstrar sentimentos.
  Então a conversa se encerra e fico sem uma resposta. Agora um silencio perturbador habita o quarto branco que era de nosso pai.
Alyan sempre amou esse quarto, mas quando papai se foi ele se tornou melancólico. Mesmo assim continua sendo o lugar preferido de minha irmã da casa, por isso ela está aqui.
  O quarto não tem muitas coisas, três paredes são brancas, já a do sofá-cama tem um tom verde musgo. Aqui não é bem um quarto, está mais para uma sala de leitura ou trabalho, como um escritório, mas Alyan e papai odiavam quando eu ou mamãe dizíamos que era um escritório. “Escritórios são imediatamente relacionados a trabalho e cansaço, aqui não é um escritório, é o paraíso”, papai dizia isso todas as vezes, as mesmas palavras, sempre.
  Na parede da porta tem algumas fotos emolduradas. Mamãe adora fotografar, ela diz que são momentos gravados no tempo, eles nunca mudam, mesmo que tudo esteja mudado.
  Tenho duas preferidas. Em uma eu e Alyan estamos deitadas na grama do quintal, temos coroas de flores em nossas cabeças e estamos usando vestidos iguais, que depois mamãe brigou conosco por termos brincado na terra com eles. Eu tinha 6 anos e ela 9. Lembro-me bem desse dia. Minha irmã tinha aprendido a fazer coroa de flores na aula de artes e ela me ensinou a fazer também.
  Me levanto do sofá-cama e encaro a foto. Olhando de perto, consigo notar que a minha estava frouxa, já a da Alyan estava perfeita. Amávamos faze-las. Na foto estamos sorrindo, e nossos sorrisos são idênticos. Parece uma memória tão distante agora que está tudo tão... diferente.
  A outra é uma da nossa mãe, papai que tirou. Ele nunca foi bom com a câmera, então a foto é um pouco inclinada, mas isso dá um charme único a ela. Nessa foto mamãe está sorrindo, com os cabelos castanhos soltos, voando pelo vento, sua franja está em seu rosto, e ela puxa os lados do vestido que está usando, como se estivesse fazendo uma pequena reverencia, está com um vestido azul com pequenas margaridas espalhadas. Magnifica.
  Diferente de Alyan, puxei os cabelos de nossa mãe, cabelos castanhos claros, lindos. Nós somos a mistura perfeita de nossos pais. Meus cabelos são castanhos como os de mamãe e tenho os olhos verdes de papai, já Alyan tem os cabelos loiros de papai e os olhos castanhos de mamãe.
  Em frente o sofá tem uma escrivaninha com alguns livros empilhados e papeis com esboços de desenhos jogados sem nenhuma ordem exata. As canetas de papai estão jogadas sobre as folhas e tem um vaso com uma rosa murcha ao lado de seu antigo notebook empoeirado.
  Na última parede tem uma pequena varanda que nos dá visão para o quintal e para a rua. Costumávamos brincar de Titanic ali, eu sendo Rose, e Alyan sendo Jack. É o filme preferido da minha irmã.
  Quando criança, achava ele muito triste para ser o preferido de alguém, então minha irmã me explicou: “Lyn, é exatamente por isso que é meu o meu favorito. A partir do momento em que ele despertou um sentimento em mim que me fez chorar se tornou o meu filme predileto. Algum dia você entenderá o que quero dizer. Só espero que não seja com uma pessoa.”
  Ainda estou esperando o dia em que irei entender o que ela quis dizer.
  Me viro para as fotos novamente e meus olhos se encontram com uma foto do começo desse ano, meu aniversário de 16 anos. Comemoramos no quintal de casa, apenas a família, foi incrível.
  Saio dos meus devaneios com mamãe abrindo a porta para dar comida a Alyan. Ela vem em minha direção e beija minha testa, depois se senta ao lado da minha irmã, indo dar comida para ela, mas a mesma não responde ao seu chamado. Mamãe tenta acordar Alyan, mas não obtêm resposta.
- Filha, ligue para uma ambulância! Ela não está se movendo! – Manda minha mãe desesperada.
  Corro para o quarto ao lado e pego meu celular discado para a ambulância.
  Ela não pode morrer!
  Ela não pode morrer!
  MINHA IRMÃ NÃO PODE MORRER!
- Alô. Me ajuda, por favor.

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