Prólogo

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PRÓLOGO

Sienna

Perdida. Esse era o sentimento que me definia.

Minha madrasta sempre dizia que eu a fazia se sentir completa, porque o único amor maternal que conheci foi o dela e da minha madrinha Helena. Perdi minha mãe no momento em que nasci e senti o peso desta perda até o último dia de vida do meu pai.

Eu nunca o questionei. Sei que era difícil conviver diariamente com a cópia fiel da única pessoa que ele amou e escolheu morrer para me dar à luz. Ele não precisava me dizer isso em palavras. Bastava seu olhar. Cada expressão já me dizia tudo. Ele preferia que ela estivesse no meu lugar.

Minha madrasta era a única a conhecer a minha dor. A dor do desprezo. Dor de não ser amada por quem te deu a vida. Quantas vezes ela enxugou minhas lágrimas e até mesmo adormeceu ao meu lado acariciando meus cabelos enquanto sussurrava o nome de minha amada mãe.

Por isso, devo o que sou hoje em dia a Fernanda. Ela nunca me deixou desistir de meus sonhos e me ajudou a atravessar novamente pela dor na minha adolescência. Até hoje eu sinto o toque, a voz arrastada, o cheiro horrível de bebida. E sempre acordo com o grito e a voz da minha primeira paixão: Giovanni. Meu amigo, meu refúgio e porto seguro.

Há dois meses enterrei meu pai e Fernanda e, mais uma vez, a dor marcava a minha vida. Porém, meu pai deixou algo de bom e até então desconhecido para mim. E é pra lá que estou partindo.

Dou graças a Deus por ter ouvido os conselhos e as dicas de Fernanda. Ao menos estou seguindo para uma nova terra com duas formações que me serão úteis: administração de empresas e gastronomia, que é onde eu me entrego e dedico todo o meu amor.

E também não estarei só, pois Giovanni e Vincenzo me esperam. Estou há sete anos sem ver os olhos lindos de meus amigos, longe de seus abraços apertados, de seus beijos em meus cabelos e de ouvir a voz suave de Gio me dizendo que tudo ficaria bem.

Precisava recomeçar. Dar uma nova chance a mim mesma, renovar minhas esperanças na vida e o mais importante: acreditar que Deus tinha algo novo e especial reservado para mim.

E é na cidade que carrega o meu nome que eu espero renascer. Não mais sozinha, mas com a nova vida que trago dentro de mim.

***

Enrico

Centrado. Era como minha mãe sempre me definia. Mas hoje eu vejo que meu irmão Levi é o centrado da família. Sem o seu apoio, eu estaria ainda mais quebrado do que já estou.

Um ano se passou do pior dia de minha vida. E eu fugi, porque não conseguiria viver na terra que me deu e me tirou Fabiana. Eu a amei tanto. Ela me daria os meus filhos naquele dia.

Todas as noites eu relembro a minha aflição.

- Coloque uma música, Rico.

Eu olhava impressionado para a minha esposa. Ela era tão linda e delicada, seus olhos escuros brilhavam e sua barriga linda e redonda me encantava. Eu fiz aquilo. Meus filhos estariam chegando a qualquer momento.

Me dirigi ao aparelho e assim que conectei meu iPod, selecionei uma música bem lenta.

Estendi minha mão e minha linda mulher veio para os meus braços. Dançamos por pouco tempo e pedi para que ela descansasse um pouco. Fabiana estava tensa desde que o dia amanheceu. Percebi alguns tremores e um suor excessivo por seu corpo. Cheguei a questionar, mas ela me disse que estava bem e que não era hora dos bebês nascerem ainda.

Nossa casa era um belíssimo chalé na beira da lagoa onde tenho um hotel e restaurante com meu irmão Levi. No meu tempo livre, eu me escondia no escritório e colocava meus sonhos, delírios e vontades, no papel. Eu escrevia. E somente quem sabia desse meu lado eram meus irmãos mais novos: Felipe e Carla.

Eles liam meus textos e me diziam que estava sendo um burro e egoísta de guardar tudo aquilo somente pra mim. E eu sempre respondia que quem sabe um dia eu me dedicaria somente aos livros. Mas sempre parava e pensava que tinham pessoas que dependiam de mim. E não podia viver de um sonho. E sim de algo concreto para nossas vidas.

Por isso, eu estava na cozinha preparando uma massa e olhando para eles. Fabiana estava com seus pés inchados em cima de duas almofadas e alisando a grande barriga arredondada. Distraí-me preparando o molho. E só houve tempo de desligar tudo no fogão e sair para socorrer minha esposa, que gritava de dores. E havia muito sangue.

Então, tudo se passou como um borrão. Coloquei minha mulher no carro e dirigi, me odiando por morar um pouco afastado da cidade. As dores aumentavam e ela gritava sem parar.

Vinte minutos depois, eu estacionava em frente ao hospital. Gritei por socorro e os enfermeiros saíram em nosso auxílio. Com cuidado, eles a retiraram do carro e a colocaram na maca.

Fabiana segurou minha mão e percebi que sua voz estava cansada e ofegante. Mas eu sabia que ela precisava falar. Então, me abaixei e a ouvi.

E ali não só ela, como também as crianças, morreram naquele dia.

Ela simplesmente matou meu coração.

Matou um Enrico que viveu para amá-la.

E esse pesadelo me perseguiu por um ano.

Agora meus dias são preenchidos por letras, pelos olhos azuis e o cheiro de pêssego de uma desconhecida que fez meu coração bater outra vez.


Renascer para Amar (DEGUSTAÇÃO) Where stories live. Discover now