Capítulo 1

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De Mellody

Então, antes de toda a baboseira, que o velho Tolkien disse sobre os caras irem a uma tal montanha solitária pra atacar uma fera terrível de fogo e talvez morrer nessa investida, eu contei a minha própria história. Uma história sem muita importância, claro, afinal, aqui nesse lugar se não possuir a erudição de um Rei Élfico qualquer morador de Imladris, a gente não leva crédito nenhum. Mas já que existem criaturas tão desocupadas que vivem fuçando os manuscritos, em busca de grandes e melhores aventuras de alguém, devo aproveitar para partilhar minhas próprias aventuras. Embora não fossem lá das melhores, tampouco das grandes.

Isso claro, se dá ao fato de a tal de Varda, uma dos Valar mais apteciados e cultuados pela minha gente, ter feito uma sacanagem gigantesca de ter me feito nascer na droga de um reino chato, governado por um rei bobalhão que mais parece uma fada. E sim, me refiro à Mirkwood, o reino élfico que fica literalmente no meio do mato, enfiado num buraco que eles afirmam orgulhosamente ser proteção. Contra o quê? Não sei. Diz-se por aí que uma sombra paira no Norte e tem olhos em todo o canto. Mas diz-se desde que me entendo por gente, digo por elfa, e isso já faz bastante tempo. Além disso, diz-se também que o tal Rei Élfico já passou do tempo de sua validade e que a partir dos três mil anos de idade, Illuvatar já não dá mais garantias de que a sanidade dos elfos seja a mesma.

Independente disso, digo com propriedade que se há alguém sobre quem recaiu mair furor das criaturas de Valinor, talvez tenha sido eu mesma. Mellody, cujo sobrenome não ouso dizer, pois está na língua proibida dos Noldor. Proibida, não sei porquê, mas sei que o infeliz que inventou de dezê-la ao rei, apodrece nas celas do palácio até os dias de hoje. Culpa minha não foi, talvez tenha sido da louca que inventou de se esfregar com um humano sem noção dando a luz a minha pessoa. Sem noção, digo eu, e meu tio, o Rei, costuma chamá-lo de nomes piores, dentre os quais o mais dizivel é: "Servente de Morgoth". Tamanho era o ódio de Tio Thran por ele. Mas não sei se isso se dá pelo fato de o sujeito ter encantado sua irmã, cujo nome ele nunca mais pronunciou e feito com que a pobre coitada se desvirtuasse do bom caminho de Illuvatar e fosse morar com ele em uma aldeia de homens vadios, adoradores do demônio, segundo histórias do próprio Rei - E algumas fofocas de Legolas, o príncipe - Ou talvez porque Thranduil simplesmente odeie todo o mundo, com excessão - eu acho - do próprio filho.

Agora que têm idéia de pelo menos uma parte de minha inglória origem, talvez imaginem o motivo de minha revolta. Quero dizer, qualquer um odiaria ser fruto de uma união informal entre uma princesa elfica e um humano qualquer, prisioneira no reino do próprio tio, e originária de uma das raças mais mal amadas de Arda. Pior dizendo, de duas das raças mais mal amadas de Arda, metade humana e metade elfa, faltou um pouco só de calvície para me tornar a versão feminina de Elrond. Outro mal amado de Imladris. Acho que só me considero menos detestável que os próprios orcs, que juro nem sei se existem, considerando que me encontro trancadiada dia e noite neste castelo ridículo que fica em um buraco dentro de um matagal.

— Quanto exagero! — Exclamou meu primo, o príncipe Legolas, filho do Rei Thranduil, ao ler um rascunho da obra que escrevia.— Não está trancafiada. — Ele disse. — Podes sair a hora que quiser. Mas sempre que sai, o reino precisa apagar incêndios.

— Ora, mas isso... — Ele me olhou com uma carinha altiva. Linda, mas altiva. — Calúnias, apenas. — Retruquei. — O Rei mantém prisioneira, primo, a mim, assim como faz com todos os Elfos deste reino.

Ele franziu o nariz e quase riu.

— Não o deixe ouvir. Ele a expulsará tão depressa quanto a uma hora de orcs.

Seria pedir muito?

— Viria comigo, não é?

— Eu não. — Saiu rindo para um canto qualquer. — Minha melhor amiga é a Tauriel, não você.

Mostrei-lhe os dedos médios, e embora isso não significasse muita coisa para o povo da floresta, os que estavam no salão nos olharam incomodados com o rumo da conversa. Era melhor mesmo que falássemos de outro assunto, antes que o Rei nos trancasse nas masmorras, como ele fez no dia da formatura dos guardas, quando a Tauriel foi nomeada capitã no lugar dele.

Esse dia foi bem louco, mas não cabe a mim contar agora como ri e me saboreei da desgraça de meu primo e amigo, que com o coração desejava tal posto.

Eu acho muito bom mesmo que ele se ferre de todas as maneiras possíveis e que todas as maldições da Terra média recaiam sobre este traidor. Quero dizer, como ele pode preferir a Tauriel a mim? Tudo bem, que ela é bem mais legal. E caso alguma alma se pergunte o porque de me dirigir assim a meu amado primo, ou ex-amado, lhes contarei o motivo de tamanho rancor. Mas tudo começou há cerca de uns cem anos, quando Daeron, o elfo de cabelos negros que veio de Valfenda, se enfiou em nosso castelo e não saiu mais.

Daeron era um dos infinitos primos de Elrohir e Elladan, filhos do careca senhor de Valfenda, digo Elrond, que há muito tempo já vive da aposentadoria que os Valar lhe pagam apenas para que não faça o favor de sumir da terra média em direção Oeste e juntar-se aos que aguardam o fim dos tempos. Enfim, eu já sabia que Legolas andava atrelado aos príncipes bebuns de Valfenda e que andava com eles quando sem serem convidados, nem desejados, apareciam por aqui. Tauriel me dizia que garotos deveriam andar com garotos, mesmo assim vez ou outra saía aos tapas com Elladan, e dava pontapés em Elrohir, por razões quaisquer. Meu tio dizia também que Tauriel tinha espírito de garoto, seja lá o que isso devesse significar.

Eu, detestava toda essa corja. E detestei mais quando Daeron apareceu, acompanhado dos gêmeos palhaços com notícias de Valfenda para o Rei.

— Seu tio pensa que você pode ficar hospedado em meu palácio? — Eu tenho certeza de que Thranduil estava revoltado com a idéia.

— E-Ele disse que será proveitoso para mim aprender mais da cultura e da língua dos Sindar e estudar sua história.

A cara de nojo do Thranduil dizia tudo. Ele quase jogou a carta do Senhor Elrond no fogo. A gente normalmente mantinha distância da turma de Elrond ou qualquer outro Eldar que não fosse descendente dos Elfos Teleri, ou dos Elfos da floresta. Ele dizia que a família de Elrond era amaldiçoada e parecia que sua alma era carregada para Mandos sempre que ouvia falar que Legolas e Tauriel estavam andando com Elrohir e Elladan. Quanto ao lance da Maldição eu não duvido.

— É claro que acha. — Bufou. — Ora, se Elrond, Senhor de Rivendell pensa que sou algum sustentador de vadios, então o tenpo corroeu seu cérebro dentro daquela carcaça velha. Agora apressa-te, Legolas e Tauriel lhe arranjarão alguma utilidade. — Daí olhou furioso para Elrohir e Elladan. — Quanto a vocês, não quero ser descortês, mas peço que desapareçam de meus domínios.

E foi assim que toda a ruína teve início. Embora pareça exagerado de minha parte atribuir boa parte de toda a desgraça que ocorreu a Daeron, mas foi isso mesmo. E logo direi o porquê.

Morte ao Conselheiro | Tolkien Where stories live. Discover now